Estamos nos últimos dias de Peixes, um signo meio doido. Por transitar em variados mundos, reais ou imaginados, ele sabe que na vida tudo é relativo e tudo é possível – e loucura mesmo é achar que a razão a tudo explica. Como meu ascendente é Peixes, ouvir um samba de Adoniran Barbosa me conduziu a conexões tão malucas, que acho por bem partilhar aqui. Peixes rege a música, em seu aspecto de catarse emocional e transcendência. Confesso: ai de mim se não fossem as canções, nomeando o que não sei dizer embora o sinta. E então percebi que o samba Prova de Carinho fala de temas piscianos.
O personagem na letra é um músico. De tão tomado pelo romance, ele faz da corda Mi do seu cavaquinho uma aliança para sua amada. Pois o amor pisciano exige renúncias: “Quanta serenata / Eu tenho que perder / Pois meu cavaquinho já não pode mais gemer / Quanto sacrifício eu tive que fazer / Para dar a prova pra ela / Do meu bem querer”. O samba acaba aí, ficamos sem saber se esse amor foi correspondido, se valeu ao menestrel perder a lira. Mas isso pouco importa para Peixes. Porque amar significa entregar-se. “Porque a vida só se dá pra quem se deu”, como dizia o poeta Vinicius. Ou evocando o nosso rei das canções, “se chorei ou se sofri, o importante é que emoções eu vivi”.
Fiquei pensando nesse estranho “amor da corda Mi”. E essa sílaba me remeteu à palavra misericórdia, outra vibração tipicamente pisciana. Recentemente, em sua primeira live, Maria Bethânia bradou: “Eu quero vacina, respeito, verdade e misericórdia”. Que síntese perfeita dos anseios de todos os brasileiros que ainda sentem um coração pulsar no peito! Vacina, respeito e verdade são como direitos legais. Mas a misericórdia é um apelo à sensibilidade do outro. O dicionário a define como “compaixão suscitada pela miséria alheia”. Bethânia pediu, às figuras de poder, compaixão pelo Brasil que sofre com o caos da pandemia. Não basta fazer o que é devido, é preciso se deixar tocar pelo sofrimento do outro. É preciso amor incondicional.
Foi aí que surgiu mais uma conexão com o amor da corda Mi, mas pelo viés da negação. Um desalmado no poder chamou de “mimimi” os cuidados e receios de quem tenta sobreviver ao vírus. Sem coração, incapaz de misericórdia, esse ser encarna ao extremo a desumanização de um modelo cruel e individualista de viver – se é que podemos chamar de vida caminhos que louvam a morte. Por conta disso, vi numa rede social uma exata definição para mimimi: “a dor que não dói na gente”. Mimimi é a antimisericórdia, o desprezo arrogante pelo semelhante. É a negação daquele amor pisciano que sente o coração do outro. E que lástima: há uma multidão cega unida por esse desamor.
Pois bem, nesta última semana do ano astrológico, o Sol em Peixes exalta a compreensão de sermos expressões diferentes de uma mesma matriz. Sem a percepção dos que nos une como
humanos para além das individualidades, a espécie naufraga. Por isso Peixes é um signo de transcendência, que borra conceitos e dissolve limites. Por isso Peixes inventa a compaixão como o mais elevado sentimento. Sem ela, o recomeço da roda zodiacal em Áries só pode conduzir à violência e à barbárie.
E já que tudo é possível em Peixes, inclusive os milagres, termino na mesma onda musical, sentindo a dor dos miseráveis que vagam pelo mundo derrotados e rezando com Cazuza também pelos tantos perdidos: “Vamos pedir piedade / Senhor, piedade / Lhes dê grandeza e um pouco de coragem”.