Situações extremas e embates radicais de forças costumam marcar os ângulos tensos entre os planetas Saturno e Urano. Estamos sob o efeito de um desses ângulos, que deve se desdobrar durante todo 2021, gerando instabilidades e incertezas. Desde a base mitológica que lhes atribui significados, Saturno e Urano ilustram o universal conflito entre gerações. São formas diferentes e divergentes de ver o mundo, confrontando o passado e o futuro, a tradição e a inovação, a repressão e a liberdade, o limite e a transgressão. Atualmente, Saturno transita por Aquário, e Urano, por Touro, signos de natureza fixa e resistente, o que aumenta ainda mais a potência do duelo entre os significados desses astros. Poderá haver conciliação nessa batalha? A mitologia sugere que sim.
rano era o deus grego do céu estrelado, o primeiro pai criador, amante de Gaia, a terra, a quem fecundava continuamente. No entanto, as crias do casal resultavam monstruosas. Horrorizado, Urano rejeitava os filhos, empurrando-os de volta para o ventre escuro de Gaia. Até que ela reagiu a tanta interdição ao fluxo da vida. E deu ao caçula, Cronos (que os romanos depois chamariam de Saturno), a foice com a qual deveria castrar o pai. Ato consumado, Urano refugiou-se, ferido, no alto céu. Do sangue caído sobre a terra emergiram as Fúrias, entidades apavorantes e vingativas. E do esperma caído no mar nasceu Afrodite – ela mesma, a irresistível Vênus, deusa do amor e da beleza. Assim, desse primeiro e sangrento embate de poderes, brotaram as últimas criações de Urano: a raiva punitiva e o amor conciliador.
No mito, Saturno assume o controle do mundo, mas logo torna-se um tirano, a ponto de devorar os próprios filhos para não ser destronado. Afinal, Urano, conhecedor do futuro, o tinha avisado, ao receber o golpe de foice, que também Cronos seria derrubado por um sucessor – o que se cumpriria pelas mãos de Zeus (Júpiter). Na projeção simbólica da astrologia, Saturno, com seus anéis e sua condição de último planeta visível a olho nu, se associa aos limites, ao que é seguro, estabelecido e tradicional. Já Urano, o primeiro planeta descoberto por meio da tecnologia, em 1781, num período de tempo entre duas importantes revoluções, a Americana (1776) e a Francesa (1789), cedo passou a ser relacionado ao que é novo e moderno, ao que derruba estruturas e instaura a liberdade.
Quando Saturno e Urano se alinham em ângulos harmoniosos no céu, o novo pode chegar com ajustes do antigo ou como renovação natural dos temas envolvidos, sem traumas. Porém, se o ângulo entre eles for de confronto, como o de agora, é como se o trágico conflito mítico viesse para a realidade. Os personagens da velha narrativa tomam forma. Com Saturno e Urano em trincheiras opostas, as Fúrias viram o ódio intransigente que culpa os opositores por todo mal e exige vingança. Olhos se injetam de sangue, e a resolução desses embates radicais não ocorre sem violência. É quando aparece Vênus, como uma bênção de diplomacia e conciliação. Sem ela, tudo fica furioso e destrutivo.
s romanos chamavam essa deusa de Vênus Celeste, ou Urânia, dadivosa de um amor mais elevado do que o carnal. É o amor que ressoa em respeito e civilidade, um amor de liberdade, justiça e paz. E fica a reflexão final sobre nosso conflagrado contexto social e político: o que nos move em nossas ânsias e lutas, um ódio ressentido ou a construção de um mundo fraterno? Se o novo sempre vem, podemos escolher se virá com sangue ou em paz.