No céu de Peixes, derradeira etapa do ano zodiacal, o Sol vai se alinhando com Netuno, que há anos já transita aí, fortalecido em seu próprio signo. Entre os temas sugeridos pelas interações planetárias, os que envolvem Netuno estão entre os mais difíceis de lidar. Que o diga o Brasil, país cujo mapa astrológico vem recebendo duras tensões de Netuno, resultando em alucinações coletivas, negações da realidade e destrutivas ilusões. Se uma nação é uma entidade abstrata, o que nos cabe fazer enquanto indivíduos formadores desse todo agora sombrio e distorcido?
O planeta que recebeu, por sua cor azulada, o nome do velho deus dos oceanos associa-se às nossas águas (leia-se emoções) mais profundas. É o próprio reino difuso do inconsciente, tão poderoso e fascinante quanto misterioso e ameaçador. Por seu efeito dissolvente e inebriante, o hipnótico Netuno borra as fronteiras do real e da razão. Somos envolvidos por uma onda gigante de encantamento e nostalgia, engolfados pelo sonho e pela sensibilidade. Isso gera um embotamento da identidade em prol de uma entrega a algo maior. Em sua vibração mais positiva, Netuno surge na inspiração do artista ou no chamado para uma ação compassiva e assistencial.
Esse astro rege as multidões: cardumes nos quais cada peixinho se agiganta na fusão com o coletivo. Netuno está na vibração em uníssono de uma torcida de futebol e no delírio da massa carnavalesca; nos urros da turba num comício e no transe do culto religioso. Netuno também aparece na sedução da moda e na pregação redentora dos líderes que prometem um mundo perfeito, na terra ou no céu. E aí mora o perigo. Como planeta que nos afasta da razão e nos lança em realidades paralelas, Netuno geralmente conduz a enganos, decepções e muitas mentiras. Sob seus trânsitos, todo cuidado é pouco antes de seguir a multidão ou os delírios de supostos messias.
Na anestesia netuniana, tomados de fervor fanático, negamos o óbvio e os fatos. Por mais absurda, preferimos a narrativa mágica e redentora. Quando passa o tempo, e o planeta muda de posição, recuperamos a lucidez, e fica o mistério (ou a vergonha) de como pudemos crer em miragens e mentiras, em camuflagens e mistificações. Essa ressaca do real é como a do cidadão de bem que se pergunta como se deixou possuir pelo frenesi selvagem de um linchamento. Pois a ação netuniana é sutil, feito uma infiltração emocional que embota aos poucos a consciência. E o louco passa a ser quem avisa que a manada cega caminha para um abismo mortal.
Como escapar dessa onda contagiosa? Primeiro de tudo, por Netuno envolver emoções ocultas, devemos examinar honestamente o que nos impele a certos grupos ou bandeiras. Tolerância ou preconceito? Conhecimento ou ignorância? Compaixão e paz ou ódio? Que
nossas entregas não se guiem por nossas sombras. Meditar e conectar-se com o sagrado pessoal reforçam nossa luz interior.
Individualmente – e a pandemia nos forçou a necessários isolamentos –, nossa fome de fantasia e encantamento pode ser saudavelmente suprida pela arte. Literatura, música e cinema são alentos criativos nas prostrações e depressões netunianas. Ser útil a alguém também nos fortalece na ânsia maior por entrega. É regra: ajudamos a nós mesmos quando ajudamos os outros, como for possível.
E para não entrar em frias ideológicas e em enganosas promessas, convém lembrar sempre da máxima do Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Que o real resista.