O que vês, Damiel, daí de cima dessa nuvem? Verte teu verbo etéreo em revelações que nos acendam a mente feito um relâmpago. O Sol brilha em Aquário, signo dos anjos, como tu, que alado trafegas no ar rarefeito, olhando a Terra do alto e nutrindo um apreço raro pelos humanos. Anjos são estranhos: sabem da ordem celeste, desvelam os saberes arcanos e os desígnios futuros, mas não se contentam em guardar para si tais conhecimentos. Querem iluminar os humanos, querem inspirar a criação de outros mundos. Por isso, vivem a derramar sobre nós o cântaro das divinas ideias de justiça e fraternidade. Mas – oh dor, Damiel! –, tão poucos entre nós ainda entendem a língua perdida dos anjos! E tua mensagem libertadora tantas vezes soa surda, quando não esbarra nos pesos que nos prendem à gravidade do chão e do passado.
Agora, Damiel, como bem sabes, o céu de Aquário está agitado por planetas em passagem. E outros astros logo virão se juntar. É como se hostes angélicas ruflassem suas asas ao mesmo tempo, acionando ondas de intensos ventos de mudança. Ondas do futuro. Sim, já sentimos a enorme euforia pelo amanhã. Mas saberemos decifrar tuas imagens, Damiel? Mesmo depois das nuvens sombrias que nos fizeram parar e pensar na vida que levamos, será que temos o espírito disposto a mudar? Já sabemos ao certo o que inovar e o que preservar? Ai, ai, conheces bem nossa espécie. Entre ganas e ganâncias, queremos do amanhã a repetição do passado. Pois bem, amado Damiel, estranhos somos nós, afoitos por voar com asas de chumbo, cegos aos sinais, insensíveis ao curador sentido de unidade entre todas as formas de vida.
Mesmo assim, Damiel, aos homens de boa vontade, espalhas tuas ideais redentoras, teus vislumbres do nosso porvir. Agora, apontas este planeta azul como útero e lar de todos, tão carente de cuidado e respeito. Apontas a raça humana como tal: diversa na aparência e tão igual na essência. E a paz como condição fundamental de uma vida digna. A justiça como base da paz. A cidadania como um fruto a ser maturado pelo enlaçar das mãos. A liberdade como um conceito tão natural que nem precise ser definido. O suor da união, a partilha do pão, o festejar das conquistas comuns, os tantos sonhos por realizar. E o conhecimento! Ah, essa dádiva dos deuses, esse sopro angélico que alarga as mentes e se traduz em toda sorte de benefícios, em ciência e consciência, em progresso e evolução.
Damiel, anjo aquariano que és (com essa cara de Bruno Ganz no filme do Wim Wenders), clareai as cabeças humanas nesse tempo tão insano que estamos a atravessar. Sabes o quanto fomos lançados às profundezas abissais das posses egoístas. Cegos, nos enredamos nas redes de ódio e competição. E destilamos fel, e desprezamos o amor e o respeito, e negamos a vida, e tantos passaram até mesmo a cultuar a morte. E assim nos desumanizamos terrivelmente. Por isso, anjo amigo, carecemos demais de teus ventos despertadores. Por isso, na sincronicidade cósmica que nos envolve, o céu de Aquário anda tão elétrico, pronto a espalhar raios e trovões. Porque já passa da hora de a humanidade acordar, se quiser seguir como humanidade.
Comanda teu coro angélico, Damiel. Que soem as urgentes trombetas da lucidez, a nos arrancar da letargia e da negação do real. Que cada reação humana de empatia e cuidado se potencialize em ações na construção de um novo mundo. E que voem com as asas de uma contagiante e revolucionária esperança todos aqueles que entendem que “um mais um é sempre mais que dois”.