Quem se importa? Quem lê? Quem devolve a cegueira aos cegos do ensaio de Saramago?
Amendoim sem sal. Putz. Quem come? Se tem vegano comendo carne, porque julgar quem prefira amendoim sem sal. Peteca agora é esporte. E tá tudo bem! Em Paris, 172 atletas vão desafiar a gravidade, suando pra não deixar a peteca cair. Tudo pelo ouro olímpico.
Dia desses, tropecei num livro que reúne uma catatau sem fim se frases do Saramago, fruto das inúmeras entrevistas que ele concedeu. O subtítulo é autoexplicativo e sugestivo: Catálogo de Reflexões Pessoais, Literárias e Políticas.
“Quando eu morrer...”, diz o autor português, “se pusessem uma lápide no lugar onde ficarei, poderia ser algo assim: ‘Aqui jaz, indignado, fulano de tal’”.
Achei engraçado. Típico do Saramago, que alguns torcem o nariz por achá-lo azedo. Azedo é o ranzinza que reclama da peteca na Olimpíada.
“Indignado, claro, por duas razões”, explica Saramago. “A primeira, por já não estar vivo, o que é um motivo bastante forte para indignar-se; e a segunda, mais séria, indignado por ter entrado num mundo injusto e ter saído de um mundo injusto”.
O indignado é um revoltado. Ou colérico. Pelo menos é o que dizem Houaiss e o Aurélio. Vegano come peixe? E tapioca de queijo de cabra, pode? Quem se importa?
“Escrever é fazer recuar a morte, é dilatar o espaço da vida”, diz Saramago. Ou ainda, “o meu trabalho como escritor é o de levantar esses homens vivos que, pelo fato de estarem mortos, estão vivos”.
Quem lê?
“Escrevemos porque não queremos morrer”, reivindica.
A hora da morte chegou, apesar da indignação do escritor. Em 18 de junho de 2010, morria Saramago, aos 87 anos.
O jornal Zero Hora publicou texto de obituário assinado pelo jornalista Moisés Mendes, José Saramago: A eternidade antes da morte. Ao lado do marido, Pilar disse, conforme relato de Mendes:
— Sim, José morreu, porque não havia mais esperança mesmo.
Em 2005, cinco anos antes do fim da esperança, Saramago disse, em uma entrevista: “Nossa única defesa contra a morte é o amor”.
Assistam ao documentário José e Pilar, tá tudo ali. “É um filme sem falsidades, cheio de verdade, de pequenas coisas, de vida, simplesmente”, diz Pilar.
É, sim, um filme sobre o amor, sobre como o amor atravessa a vida e a ficção.
“Eu tenho ideias para romances. Ela (Pilar) tem ideias para a vida. E eu não sei o que é mais importante”.
Quem lê, quem se importa?
“Escrever é uma transfusão de sangue para o lado de fora”, provoca Saramago, o indignado.
Quem se importa se 25 de julho é o Dia do Escritor. É tempo de Olimpíada, em Paris.
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”, escreve Saramago, em Ensaio sobre a cegueira.
Não se engane. Sou só um jornalista que escreve às quintas-feiras. Bem como está escrito aqui abaixo, ó.