Era pra ter sido uma crônica sobre Grande Sertão: Veredas. Ou melhor, sobre o autor, João Guimarães Rosa. É que estreia nesta quinta-feira (6) o filme Grande Sertão, do Guel Arraes, baseado na obra do Guimarães, numa adaptação futurista ao estilo de Mad Max. Daí, escrevendo sobre o filme lembrei-me de um par de curiosas informações.
Em 1967, três escritores brasileiros haviam sido indicados ao Prêmio Nobel de Literatura: Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa. Os três perderam pro escritor guatemalteco Miguel Ángel Asturias. É de Rosa outro infortúnio literário: ele tomou posse na Academia Brasileira de Letras em 16 de novembro de 1967 e morreu três dias depois. E o Brasil continua sem um Nobel de Literatura pra chamar de seu. Seria agora a vez de um Oscar? Logo com Grande Sertão, nessa reinvenção de um Guimarães distópico?
Sei, não. Improvável. E serve de quê um Oscar na prateleira? Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock, dois dos mais importantes cineastas de todo sempre, morreram sem receber a estatueta dourada. Nem por isso deixaram de brindar a plateia com obras-primas que, aliás, vão sobreviver até que o meteoro nos esmague, provocando a extinção da humanidade. E pensar que o Pozenato, autor de O Quatrilho, chegou bem perto de levar um Oscar. E se...
Esse negócio de “e se”, a bendita condicional (contém ironia), é mais tapa na cara do que alento. É tipo “fazer o quê, né, tentamos”. Em resumo, não resolve nada. Continua o Guimarães sem o Nobel, o Kubrick sem o Oscar, e a mãe enlutada enterrando o filho por causa de uma bala perdida. Vê lá no filme do Guel, sintoniza na tevê, lê no jornal. A notícia se repete, com requintes de crueldade.
Procura lá no livro, entre as veredas abertas esculpidas pelo Guimarães. “Há-de: que se acostumar com o escuro nos olhos” e “não se tem onde se acostumar os olhos, toda firmeza se dissolve”. O sertão é assim, oblíquo e cortante. O povo da cidade, por sua vez, civilizou a barbárie, assassinando a metáfora.
Há sempre um estranho no ninho. Há sempre um estranho no ninho à espreita. Há sempre um estranho no ninho armado pro abate. Vai lá no livro do Guimarães: “Viver é muito perigoso... Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar”.
Pois é, seu Guimarães Rosa, a crônica sobre o livro que virou filme me levou ao Rocha, o Glauber, diretor de O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. Em memória de Rosa e Rocha, fecho a crônica dizendo que o estranho no ninho à espreita, o estranho no ninho que furta o olhar do outro, é a síntese dessa sentença: “O diabo não existe, ele vive dentro do homem”.
E que a perda do sentido da metáfora não nos afaste de Deus.