— Será que ninguém mais lê? Pesado afirmar isso.
— Eu acho que hoje em dia se lê mais, porque vejo a galera o dia todo, pra cima e pra baixo, de olhos vidrados em telas de celulares, tablets e computadores...
— Mas ninguém lê, meu caro. As pessoas estão olhando a vida dos outros nas redes sociais.
— Deslizando pela vida dos outros, no caso (risos).
— Então, dia desses esse assunto veio à tona e tu acreditas que o tempo médio de leitura numa reportagem publicada na internet é de segundos, tipo uns 40 segundos?
— Ah, para. Quem disse?
— A Carol.
— Que Carol?
— A chefe de reportagem do jornal Pioneiro. Ela trabalha com isso o dia todo, ela sabe o que diz.
— Putz, daí é bucha!
— Recorde digno de aplausos, ela disse, é o cara ficar quatro minutos lendo a mesma reportagem no site.
— Caracolas! Bah, meu, diz pra ela que eu devo ser esse cara do recorde de quatro minutos (risos). Sério, leio até a coluna social do Pulita.
— Tá, vou dizer (risos).
— Mas, cara, isso me intrigou. Tá ligado que na pandemia se vendeu livro como nunca?
— Sim, li em algum lugar que venderam 30% a mais de livros em 2021 em comparação a 2020.
— Então, como assim que ninguém lê? Essa conta não fecha.
— Agora me diz: leu todos os livros que comprou na pandemia? (risos)
— Cara, não, né?! Mas quem conseguia se concentrar vivendo aquela histeria? A Carol vai ficar brava, mas naquele período da pandemia eu ficava menos de cinco segundos nos textos do site do Pioneiro, porque eu não aguentava ler aquilo.
— Tu não conseguias ler ou não querias ficar ciente do que realmente tava rolando?
— Eu sabia o que estava rolando...
— Sabia por cima, né! Porque se tu não lias como é que entendias o que realmente estava acontecendo?
— Que viagem esse papo, meu. Me provocou a pensar em outra coisa... Quando a gente não lê, seja literatura ou reportagem, é como se a gente não lesse mais a vida...
— Agora foi longe! (risos) Vestiu o manto de filósofo e viajou (risos).
— É sério, meu. Ninguém mais lê a vida.
— Ninguém é pesado afirmar. Talvez melhor dizer que poucas pessoas leem a vida.
— Ou é porque poucos estão realmente preocupados em ler a vida do outro, em estabelecer pontes de empatia...
— Pra fechar a fatura, meu caro, porque meu buzão tá chegando: se tem pouca gente preocupada em ler a vida do outro, menos ainda de se ler através do espelho. Fui!
— Tchau, Zé.