Meu avô Floriano herdou um armazém do seu pai, o Ângelo. Nesses armazéns vendia-se tudo que as prateleiras comportassem. Desde frutas, grãos e verduras, passando por tecidos e miudezas, ou ainda produtos de limpeza e, claro, fumo de rolo. E toda família ajudava de alguma forma. As crianças, inclusive. A elas, geralmente, era atribuída a tarefa de montar as sacolas em papel, coladas com cola feita em casa. Minha mãe, adolescente na época, trabalhava no caixa. Como pagamento, a vó dela, a Dona Bela, pagou pra minha mãe o curso de Língua Portuguesa na UCS.
Das histórias do armazém, no entanto, uma delas sempre me intrigou. Meu tio caçula, o Marco Antonio, sempre conta do cliente que ia lá pra tomar um limãozinho, antes do almoço. O primeiro gole era sempre oferecido ao Santo Onofre. Ignorante na fé católica, confesso que desconfiava da existência desse santo.
Daí, numa conversa despretensiosa, sugerindo ao meu colega Daniel que provasse de uma aguardente com limão, à venda nos supermercados, lembrei dessa história e fui pesquisar sobre o Onofre. E não é que existiu? Pelo menos, segundo a tradição católica. Reza a lenda que Onofre foi um eremita que viveu no Egito, entre o final do século 4 e o início do século 5. Assim como os profetas João Batista e Elias, Onofre consumia ervas e frutas.
Isolado no deserto, foi encontrado por um abade chamado Pafúncio, que percorria a região de Tebaida, próximo à antiga capital egípcia de Tebas, para visitar os eremitas pelo caminho, pois entendia que esse era o seu chamado. Em seu relato, Pafúncio diz que caminhou 21 dias pelo deserto. Exausto, caiu no chão desacordado. Quando recobrou a lucidez, viu diante de si um homem idoso, de cabelos e barbas que tocavam o chão, usando apenas uma tanga de folhas.
Pafúncio se assustou e, por instantes, pensou que o homem fosse uma assombração. Onofre então se apresentou como servo de Deus, acalmando o coração de Pafúncio. Conversaram por horas e, até onde li sobre o assunto, Pafúncio não bebeu cachaça com Onofre, sequer rolou um brinde. Onofre disse apenas que sentia muita fome nessa vida de eremita, mas Deus lhe confortava com os frutos de uma tamareira, que ficava bem próxima à gruta onde vivia.
Pensei que pudesse vir daí a origem do gole ao Santo Onofre, pois lembrei que arak é uma bebida destilada a partir da seiva fermentada da palma da tâmara. Arak é cristalina, incolor e não adoçada. Talvez lembre um pouco a nossa aguardente brasileira – conhecida e reverenciada mundo afora. Mas por que raios o cliente do meu avô bebia limãozinho, que é uma mistura de cachaça, limão e açúcar, pra brindar ao Santo Onofre?
Voltando ao Egito, Pafúncio ficou tão motivado com as aventuras de Onofre, que exercia diariamente a fé e a total dependência divina, que resolveu pedir a bênção do profeta-amigo para se tornar ele também um eremita. Onofre teria dito que não, porque essa não era a vontade de Deus. Onofre disse a Pafúncio que ele teria sido enviado por Deus para assistir-lhe morrer. E, depois, voltar a Tebas para contar a história do eremita Onofre.
Diz a tradição católica que ele morreu no dia 12 de junho, data até hoje celebrada pelos católicos. Conhecido por ser o padroeiro da fortuna é também o intercessor para o combate ao vício do alcoolismo. Tá vendo? Agora entendi porque o cliente do armazém do meu avô, diariamente, oferecia o primeiro gole ao Santo Onofre.
Virei devoto.