Adoro road movies. Filmes em que os personagens botam o pé na estrada, atravessam fronteiras físicas, por vezes furtivas, ora cáusticas e até emocionalmente redentoras. Easy Rider (1969) não é apenas um marco da contracultura. Escrito por Peter Fonda, Dennis Hopper e Terry Southern, e dirigido por Hopper, o filme segue atravessando gerações, confrontando a ideia de quem somos diante do que é o mundo. Liberdade de quem? E pra quê? Take it easy, man.
Atravessar estradas é mais do que um percurso geográfico — talvez, nostálgico? Viajar é mais do que assistir a paisagens desvanecendo-se diante dos nossos olhos. Do alto da Serra rumo ao Litoral a travessia é obtusa por entre montanhas e penhascos. De pés fincados na areia, contudo, é como se o nosso olhar tivesse o poder de nos fazer atravessar o horizonte, rumo ao infinito do mar a perder-nos de vista. Seja no asfalto quente, num rio turvo e caudaloso, deserto afora (e seus tantos desterros) ou sobre trilhos que cruzam abismos, o que de fato está em jogo?
Tem gente que programa férias, rabisca os mais diversos percursos, organiza cada parada, separa tostão por tostão e traça alternativas em caso de um tornado aparecer. Mas eu também conheço gente que acorda pilhado, junta meia dúzia de roupas, alguns petiscos, joga tudo no porta-malas do carro e pé na estrada ao sabor do vento. De um jeito ou de outro, viajar nunca é só percorrer um caminho estrada afora.
Já viajei intensamente, deitado em uma rede, à sombra de copas de árvores numa densa floresta. Tem um livro do qual jamais esqueço e que se perdeu nas muitas viagens que fiz tentando encontrar um lugar pra assentar minhas ideias. Sempre que eu abria Fausto – Tragédia Subjectiva, de Fernando Pessoa, era como se eu fosse tragado por um fosso abissal, escuro e úmido. Estranhamente, verso a verso eu queria ir mais fundo. E, mais fundo, continuava a ler. Não importava quão penosa, ríspida e aflita parecesse a trilha.
Atravessei décadas com esse livro até que o perdi numa das tantas esquinas esquivas. Nunca tive a motocicleta dos aventureiros de Easy Rider. Não tenho a coragem de Thelma (Geena Davis) e Louise (Susan Sarandon) que juntas enfrentaram uma sucessão de abismos. Também não encarei as vertigens, delírios e um sem fim de sensações torpes e alucinógenas que inspiraram caras como Hunter Thompson e Jack Kerouac nessa estranha travessia transversa e oblíqua através de um mundo sem um paraíso possível.
Dentro da noite veloz, a neblina descerra o mistério. Faróis acessos não servem pra quase nada. O para-brisa desliza em câmera lenta, tentando afastar as micropartículas de orvalho. Adriana canta, quase em sussurro. Em certo transe em devaneio repito verso a verso, fitando os teus olhos: “Vem, vambora / Que o que você demora / É o que o tempo leva”.
– Vambora, amor?