Não se fala em outro assunto. A pauta do último minuto é o cachê de 2 milhões de dólares da super ultra mega top gaúcha Gisele Bündchen. Não, não é cachê pra desfilar em passarela, nem pra fazer fotos pra alguma campanha de marca de perfumes ou grife francesa. É um valor simbólico pra musa que reservou umas horinhas de sua vida, no último domingo, a fim de ser vista e fotografada no Camarote N1, da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro.
Daí, a ex-BBB 23, Tina Calamba, aproveitando dos seus minutos de fama, depois de sair da casa mais vigiada do Brasil, declarou pra Folha de S. Paulo que deseja se dedicar à carreira jornalística. A ex-Miss Angola, formada em Comunicação Social, estava na folia, e ostentava um colar reluzente, quando disse, sorrindo pro fotógrafo: "Vou trabalhar por amor, não é pelo dinheiro". E complementou: "Sei que paga mal, fique apavorada quando me falaram o piso salarial de vocês".
E chove lá fora e, cá dentro, o Ney Matogrosso canta o poema "Rondó de Capitão", de Manuel Bandeira. Pois é, essa doce canção do Secos & Molhados, banda que triturou as barreiras da música pop no Brasil, nos anos 1970, musicou ainda versos de Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes, Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo e João Apolinário. Na toada do dinheiro que jorra pra quem desfila e míngua pra quem reporta, é bálsamo ouvir: "Tirai este peso / Do meu coração. / Não é de tristeza, / Não é de aflição: É só de esperança, / Senhor capitão!".
Bem antes das "águas de março fechando o verão", e sem a docilidade envolvente e sedutora de Elis Regina, na canção de Tom Jobim, um sem fim de pessoas reza, em um cortejo de lamúria, entre choro e soluço, à procura de parentes e amigos, amores que a tempestade e os deslizamentos de terra ceifaram. Contabilizar mortos, feridos e desaparecidos é uma equação dura de resolver. Pra se ter uma ideia, só na Barra do Sahy, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, onde uma encosta deslizou, cerca de 50 casas foram atingidas, matando mais de 20 pessoas.
Dito isso, a canção de Tom é de rasgar o coração: "É o pau, é a pedra, é o fim do caminho / É um resto de toco, é um pouco sozinho / É um caco de vidro, é a vida, é o sol / É a noite, é a morte, é um laço, é um anzol". Claro que há muita vida na canção de Tom soberbamente cantada por Elis — apesar das mortes que a chuva em excesso sempre traz. É claro que é um exagero um cachê de R$ 2 milhões só pra Gisele passear na Sapucaí, é claro que é baixo o piso salarial do Jornalismo, assim como todo piso de toda profissão.
Enquanto houver vida, contudo, que haja coragem pra limpar a lama nossa de cada dia, de cada temporal, chuva e trovoada que passar pelo nosso caminho. Reza a lenda que, pra vencer a "dança da solidão", aquela mesma cantada pelo Paulinho da Viola, mais do que crer na queda da inflação, é preciso vencer a desilusão do passado, bem agarradinho a um amor que nos faça tocar o céu com a ponta dos dedos, um amor capaz de sublimar a "dura poesia concreta de tuas esquinas", ó vida.