Nesta quinta-feira (8) é aniversário da minha mãe, sexta-feira (9) tem jogo da Seleção Brasileira, no sábado (10) sai uma entrevista que fiz com um dos intelectuais mais importantes do país e, domingo (11), ainda não sei. Quem sabe um pouco de paz e silêncio, à espreita pela fresta da janela, vendo a banda passar cantando coisas de amor.
O fato é que, conscientemente ou não, criamos um evento diário pra dar sentido à vida. É até aceitável que o cotidiano profissional seja um tédio, afinal, nem sempre somos felizes onde ganhamos o pão. Mas a vida fora da rotina profissional precisa ser uma sucessão de eventos. E não importa quais sejam, desde que nos ajudem a atravessar dias e noites com maior capacidade de sobrevida.
Piazzolla na eletrola? Radiohead no streaming? Porca Véia no toca-fitas? Mais vale o furdunço do que a trilha sonora do reencontro. Mais vale a conversa fora do que o cardápio. Mais vale o registro do evento na alma do que mil fotos compartilhadas nas redes sociais que amanhã depois nem existem mais.
E esse negócio “de dar sentido à vida”, confesso, martela o hemisfério esquerdo do meu cérebro há anos — talvez desde os cinco ou seis anos, que é quando a gente se dá conta de que Papai Noel não existe, que o preço de uma bicicleta (ainda mais se for essas cheias de frescura) dá pra comprar comida pra muita gente e que nem todo colega da escola tem um pai ou uma mãe pra pedir ajuda quando a vida aperta.
Então vamos à minha maior frustração, que embaralha o “dar sentido à vida”. Na contramão do que a maioria pensa, sobretudo em tempo de Copa do Mundo, a maior frustração da minha vida — bem mais do que não vestir a camisa canarinho e cantar o hino — é não ter capacidade nenhuma pra ser artista plástico.
No futebol, o cara até engana, vai caindo de série, mas sempre arranja um time pra jogar ou fingir que está machucado, só curtindo a fisioterapia. Outro exemplo, no cinema, é mais fácil ainda, porque hoje em dia tem celular com mais recursos do que a melhor câmera que havia no século passado. Isso sem falar no departamento financeiro, porque hoje nem precisa ser bom de cálculo, é só meter tudo na planilha e esperar a mágica acontecer.
Agora, empunhar um pincel diante de uma tela em branco e depois de algumas horas ou dias o artista extrair dali uma imagem arrebatadora, bah, não é tão simples. A tela nunca engana, só revela — seja a maravilha da imagem ou a bizarrice da nulidade imagética. E por “maravilha” não se trata do “belo”, porque há cenas desprovidas de beleza que arrebatam quem está diante da obra com ainda mais intensidade.
Escrever, nesse sentido, é um desvario, um desatino, é como correr descalço, ladeira abaixo, cego e nu, no desespero de transformar em palavras as cenas que enxergo diariamente. Pesando da melhor forma, sem o peso e o martírio do fracasso, talvez seja mais suave a minha vida escrevendo do que pintando. Porque, de certa forma, aprendi a encaixar os sentimentos nas frases, apesar de às vezes trôpegas.
Fosse um artista plástico, creio que a pintura seria carregada de uma virulência desmedida, talvez precisasse pintar com espátula e não com pincel, porque usaria uma espécie de massa corrida — e não apenas tinta — pra acomodar as diferentes camadas que a vida revela. Talvez não usasse cores, porque a vida é mais áspera do que afável, produz mais cicatrizes do que sorrisos e sobra bem pouco tempo, do que pensava aos cinco anos, pra ver a banda passar cantando coisas de amor.