Aos cinco anos de idade vivenciei experiências que marcaram a minha vida por todo sempre. Meu primeiro melhor amigo na infância foi meu bisavô João. Diariamente, nessa fase da vida, eu acordava e caminhava com ele por entre a horta que ele tinha no quintal de casa, colhendo temperinhos, frutas e cenoura. Aliás, nunca mais comi uma cenoura tão saborosa como aquelas que eu colhia da terra e só passava um pouco de água e já comia, ali mesmo, sentado no quintal, vendo meu bisavô fazer molhos de temperos.
Foram apenas cinco anos de convivência, mas lembro muito dele. Ele era um homem alto, esguio, usava óculos de aros grossos. Ele tinha um rosto vincado pelo tempo, mas seu olhar era leve, doce e amável. Dia desses, me disseram que eu tenho um jeito de falar que se parece muito com ele, calmo, ponderado e suave. Disso, confesso, não me lembro. Faz tanto tempo que ele morreu que eu não consigo mais lembrar do tom de voz dele. Só lembro do sorriso, da mansidão e do carinho que ele tinha por mim.
Poucos meses antes de eu completar seis anos meu bisavô morreu. O velório é algo estranho pra todo mundo, ainda mais pra uma criança. Ninguém escondeu a notícia de mim e chorei porque eu não ia mais caminhar no quintal, por entre a horta, de mãos dadas com o meu melhor amigo. Aprendi desde cedo que o luto dói mais quando a gente ama. Luto é morte consumada, é aprender a lidar com a vida sem a presença de quem admiramos e amamos. É bem diferente da tristeza de perder uma disputa, seja uma pelada entre amigos, já acima do peso, como estou agora, ou uma partida de Copa do Mundo.
Ainda em 1982, depois do luto do meu bisavô e melhor amigo, eu vi a melhor seleção de futebol de todos os tempos jogar. Claro, depois daquela de 1970, que não vi ao vivo, que tinha, entre outros Gérson, Pelé, Jairzinho, Tostão e Rivelino. Aquele escrete, de 1982, com caras como Leandro, Júnior, Falcão, Sócrates, Zico e Éder, sob o comando do genial Telê Santana, revigorou não apenas o jeito de jogar, mas deu ao povo brasileiro a esperança de a seleção retomar seu protagonismo no mundo da bola.
Confesso, eu queria ser o Zico. Quando menino ele foi a minha maior inspiração. Eu treinava cobranças de falta e mirava sempre a gaveta, porque era assim que ele fazia. Parecia tão fácil ao vê-lo bater na bola, driblando com rapidez e aniquilando zagueiros e goleiros. Com a bola nos pés, sempre que eu fazia um gol, seja no colégio, naquelas disputas insanas no recreio, chutando o quer tivéssemos, fosse uma bola de verdade, de meia ou até mesmo um copo de iogurte, na minha cabeça eu era o pequeno Zico a dar alegrias a uma nação, naquela altura, carente de um título há 12 anos.
Mas aí, depois de uma série de jogos fantásticos, de vitórias por goleada, no meio do caminho, veio a Itália. Há quem defenda que a Itália entrou mais inspirada do que o Brasil. Pouco importa, o Brasil sucumbiu diante do escrete italiano. Mais uma vez, 1982 me pôs a chorar. Primeiro, havia sido por meu bisavô. Agora, por causa do Zico, em primeiro plano e, depois, por conta do Brasil ter caído diante da seleção italiana. Eu nunca esqueci daquele 3 a 2, com três gols do Paolo Rossi. Não foi tristeza de luto, mas essa dor de não ver o Brasil vencer eu só superei em 1994, a Copa que o Zinho não gosta que o Romário diga que ele venceu sozinho.
Naquela época, segundo recorda o jornalista Juca Kfouri, “1982 nasce com o trauma da morte de Elis Regina nas circunstâncias em que se deu, e íamos ter eleições para governador depois de 17 anos. Tínhamos um clima já de final de ditadura, da distensão lenta e gradual, e uma efervescência libertária no Brasil”. E agora, vivemos sob a tensão entre um rito democrático ou uma pressão pela intervenção, às portas de mais uma Copa do Mundo. Não levo muita fé no time do Tite. Se bem que o Vini Jr. pode vir a trazer a ginga, talvez um eco daquele futebol de 1982, pra fazer tremular o verde e amarelo pra além das quatro linhas constitucionais.