A casa onde nasci não existe mais. Nenhuma parede da velha moradia resistiu ao combo de garagem no subsolo, salas comerciais no térreo e uma torre com dezenas de apartamentos de dois e três dormitórios. Boa localização e posição solar, com parcelas a perder de vista, corroboram a construção da edificação que suplantou onde nasci.
Daqui 100 anos, isso se um meteoro não destruir o planeta Terra, grande parte das residências hoje edificadas em Caxias do Sul terão sido derrubadas pra que se estabeleça uma nova arquitetura. E acho que também haverá menos árvores, pois a natureza seguirá sendo espremida entre os arranha céus e os novos loteamentos.
Pessimista? Talvez. Até porque, quem torce pro Caxias é um eterno pessimista. Na pior das hipóteses, se as previsões de derrota não se confirmarem, a glória e o sucesso inesperados lavam a alma grená. Tá certo que isso ocorre uma vez só a cada geração. Então nem dá lá muito ânimo pra deixar brotar um sentimento otimista pelo clube.
E tem como ser otimista com a humanidade, a vetora de retrocessos climáticos, éticos, morais, sociais, clubísticos, escolares e por aí vai? Pra derrubar uma casa é preciso muita porrada nas paredes, a depender do tamanho da edificação só uma implosão bem calculada torna pó o prédio.
No entanto, por meio de palavras malditas uma criança sucumbe diante dos colegas, que a sentenciam à exclusão de uma simples brincadeira porque descobriram que os pais dela votaram no opositor do Bolsonaro. Pode isso? Será que num futuro próximo as atuais escolas serão implodidas pra que sejam edificados prédios diferentes a fim de comportar os filhos dos eleitores do Lula de um lado e, do outro, os do Bolsonaro?
E vai resolver construir escolas segregadas? E vai resolver prosseguir com ações pra limpeza de rios, riachos, arroios, mares e oceanos, se diariamente o ser humano continua espalhando lixo por onde passa? O tapete ficou pequeno há muito tempo e não tapa mais o lixo. Não há como ser otimista diante desse cenário.
Talvez e só talvez mesmo, a presença de óvnis cada dia mais perto da gente seja um claro sinal de que estamos à beira do colapso planetário. Enfim, que seja bom enquanto dure. E já que dessa vida não carregamos pedra alguma, nem mesmo os tijolos da casa onde eu nasci, vou levar comigo as memórias que vivi e quanto menores, mais singelas e poderosas.
Entre elas, a de que uma vez, quando eu era bem pequeno ainda era possível brincar e jogar bola com gente diferente e pouco importava se os pais dos meus colegas tinham votado no Brizola, no Collor, no Afif, no Lula ou no Maluf. Importava mesmo era se minha mãe ia descobrir que eu não tinha feito a tarefa da escola antes de ir pra rua jogar bola. E, claro, num tempo em que ainda era possível brincar tranquilamente na rua.