Devo causar estranheza em várias pessoas. Sou da turma, cada vez menor, que prefere ligar a mandar um recado pelo celular. E, comportamento imperdoável, nem sempre indago se posso fazê-lo. Será um defeito geracional? Ou simplesmente dificuldade em me adaptar a uma forma de comunicação que aboliu a fala e ainda nomina esse processo de conexão?
Para muitos adolescentes, se o telefone toca é quase uma ofensa. No mínimo, provoca uma sensação semelhante a de uma notícia inesperada. Não tiram os olhos do aparelho, pois a múltipla utilização dos benefícios acoplados escanteou o propósito para o qual foi inventado: o de ser um emissor de voz. Continuo transgredindo a regra imposta pelo seu uso maciço, sem considerar se eventualmente eu ganharia minutos, segundos. Embora — andamos gritando aos quatro ventos — ele ande bastante escasso.
E, dando vazão ao meu lado ranzinza, ao enviar mensagens escritas mantenho o ultrapassado hábito de evitar a abreviação de palavras. Chamo de respeito à língua; porém, costumo ouvir que é um atraso, precisamos ser práticos, etc. Como não bastasse, pontuo e coloco acento se a norma o determina.
Ao me questionar qual a razão de tal postura, cheguei à conclusão ser necessário, sob a possibilidade de transformar em preceito essa supressão gramatical. Ajo assim ao dirigir o carro, ligando a seta sinalizadora para dobrar à direita ou à esquerda. Mesmo se estou em perímetro rural, sem a presença de qualquer automóvel atrás de mim. À luz da neurociência chama-se de hábito, cujo objetivo é firmar um ato até que ele se torne tão natural a ponto de o fazermos sem pensar nele.
Faço essas sinalizações com o único propósito de enfatizar algumas alterações do universo contemporâneo. Elas parecem gerar escassas vantagens. Nutro enorme simpatia pelas mudanças — sem elas, a vida estagna, paralisa.
Quando eu tinha atitudes de velho, resistia com certo orgulho. Fazer por fazer, só porque todos aderem, é de pouca valia. Está longe de ser o fim do mundo, mas sinaliza a supressão de algo definidor da nossa humanidade. No mais, aplaudo as novidades. Neste perpétuo movimento, a existência amplia a si própria.
Tento esconder o espanto em relação aos entraves para aceitar os códigos da geração que nos sucederá. Reclamações dessa ordem devem ter feito parte da história desde os primórdios. Podemos retroagir no tempo e, certamente, encontraremos registro de seres inconformados com o desaparecimento de suas certezas. No entanto, é relevante manter um posicionamento crítico sobre determinadas perdas. Se o deixarmos de lado, corremos o risco de voltar à época em que emitíamos sinais de contato por grunhidos.
Uma pergunta: o que significa fig, pdc, gnt, vdd, pfv, cvs, pft? Recebo isso de jovens amigos. Me ajudem a decifrar, por gentileza, pois tenho a impressão de estarem se expressando em uma língua estrangeira.
Cartas para a redação. Cartas? Ops, acabei de revelar a minha idade: cento e dez anos.