Não sei se algum dia isso vai mudar. Quem poderá saber! Mas é impressionante como continuamos nos interessando pela vida sexual dos outros. Acredito ser um sinal evidente do quanto a nossa deve andar mal. Se alguém é bem resolvido neste quesito, tem escassa disposição para vasculhar a intimidade alheia. Assumir-se assim é o primeiro passo para inverter esse olhar e se preocupar com o que realmente conta. Gastar tempo e energia com quem age diferente é um desperdício.
Sejamos sinceros, os preconceitos, geralmente, dizem mais sobre nós do que dos alvos de nossas críticas. Se somos seguros, convictos, a tendência natural será a de aceitar tacitamente qualquer expressão no campo do erotismo. O resto é moralismo rasteiro e não deveria sair das sacristias. E é incrível o quanto tal visão atravessa a história. O mundo pode estar ruindo, mas o acesso à intimidade de outrem parece mobilizar desde sempre o gosto por espiar pelo buraco da fechadura.
Convençamo-nos de uma vez por todas: em havendo consenso, reciprocidade, o céu é o limite. Sejamos felizes sem as amarras impostas pelo catecismo dos comportamentos ditos normais.
Aliás, está aí uma palavra que, neste terreno em especial, deveria ser abolida. Vale, acima de tudo, o prazer buscado por ambos. As novas formas de amar evidenciam: é impossível encarcerar o desejo e a paixão em um modelo específico. E nem ser direcionado, necessariamente, para uma única pessoa durante décadas. Isso é biologia, vamos deixar os prejulgamentos fora da questão.
Já ouvi inúmeras vezes: você tem uma opinião bastante liberal a respeito do tema. É verdade. Evito ao máximo ficar rastreando hábitos e gostos professados entre quatro paredes. Defendo os meus com ferocidade, pois ser complacente com quem nos vigia é incentivar esse tipo de “invasão”.
Estaria mentindo se dissesse nunca ter tido certa curiosidade e nem ter feito discretos comentários sobre as atividades eróticas de amigos e conhecidos. Mas tão logo percebo como é sem sentido, recobro a lucidez e desvio o assunto. Ao longo da existência fiz inúmeras leituras para tentar entender o interesse por essa espécie de voyerismo verbal. Enquanto ele se restringir à linguagem, tudo bem.
Mas vale lembrar: muitos foram mortos por manifestarem preferências menos ortodoxas, por assim dizer. A repressão de atitudes inclinadas à censura pode ser nefasta. Se aprecio algo e não posso ter, dificilmente vou me regozijar com quem consegue se manter fiel e partir para a ação.
Homens e mulheres ocupados em se aprimorar costumam ser pacíficos e cordatos. Olham para dentro de si, buscando acolhimento. A liberdade está no respeito e na aceitação da diversidade.
Às vezes, é preciso lembrar destes versos do poeta Manuel Bandeira: “As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não”.