Vivemos a época mais ridícula da história da humanidade, costuma dizer o filósofo Luiz Felipe Pondé. Tudo é ego, produto, marketing. Vaidade. Sim, qualquer análise desse tempo nos levará a essa conclusão, com nuances variadas. Mas penso ser preciso avançar nessa questão. Mesmo diante da ausência de um modelo ideal, podemos abrir alguma fresta e respirar por um amplo espaço chamado liberdade interior. Lembro aqui do grande Michel de Montaigne. Premido pelas exigências políticas oriundas do cargo de Prefeito da cidade de Bordeaux, retirou-se discretamente da vida pública e passou longos anos, até morrer, lendo e escrevendo em sua casa. Nas vigas da famosa torre onde ficava encerrado mandou gravar frases de seus autores prediletos. Talvez nem seja preciso tomar decisão tão radical, embora absolutamente louvável. Basta aprendermos a nos proteger dessa avalanche opiniática imposta pelo consumismo. Acho perfeitamente possível ser testemunha ocular, alimentando-se apenas do que satisfaz o nosso espírito. Aliás, está aí uma palavra em franco desuso. Muitas religiões viraram fast-food. Absorva rápido, sacie-se provisoriamente, não se preocupe com os efeitos colaterais. Mas espere: mesmo assim, dá para recolher-se, reconectar-se e fazer boas viagens em busca da paz, sem necessariamente precisar de mentores. Apesar de gostar demais do sentido de comunidade, creio ser necessário andar e pensar sozinho até ter a certeza do que realmente se deseja.
Gasto os dias em movimento pendular. Ora a solidão, ora me abastecendo de gente. E essa dialética me permitiu escapar das generalizações e a não aderir ao universo pasteurizado. Toda resolução passa antes por criteriosa análise. Converso bastante comigo e sei da importância de selecionar o que faz bem à alma. Tanto no cinema como na literatura, procuro evitar a lista dos dez mais. Pesquiso, ouço pessoas com vasto conhecimento, comparo ideias. Sempre dá certo. É atitude preguiçosa permitir ser guiado pelo que se deve ou não apreciar. Como você já percebeu, a minha noção de autonomia situa-se muito além de ir e vir aleatoriamente. Em meio a esse catatau, basta manter fidelidade aos nossos gostos. Adoro ter múltiplas possibilidades à minha frente. Angustia um pouco, mas mil vezes isso a ficar preso a uma ou duas opções.
Bem-vinda a pluralidade, o mundo parece ter ficado deveras interessante. Basta deixar de responder à overdose de estímulos recebidos. Virar educadamente o rosto e seguir com alegria. Afinal, passaremos tão rápido. Atualmente vivemos sob o signo da abundância. O problema é de distribuição, não de falta. Sei dos meus privilégios e gostaria de vê-los multiplicados exponencialmente. Mas pode soar utópico. Então, vamos ser bem realistas, optando pela ética, as virtudes e os bons princípios. Céu e inferno, afinal, podem ser uma escolha individual.