Os efeitos são danosos. Com a vida sendo vorazmente editada nas redes sociais, a necessidade de aprovação atinge patamares até então inimagináveis. Penso, por exemplo, nos homens e mulheres da Idade Média. Quais seriam suas concepções acerca disso? Foi um período de ausência da percepção do próprio eu como o entendemos hoje. O olhar estava voltado para o coletivo, o senso de comunidade. Havia egoísmo, claro, mas de toda maneira distanciado da exacerbação da vaidade. Agora, a consequência manifesta é a total incapacidade de externar em público o erro, a falha, a frustração. O mundo todo em cor de rosa. O nosso, pelo menos. Exigimos uma alta performance em tudo. No campo dos afetos, do trabalho, nas amizades. Como se fosse possível blindar-se contra o que nos exaspera. Pois a existência é um imenso campo matizado de surpresas boas e ruins. Sinto o desejo de perguntar para os cientistas estudiosos do universo cerebral: a estrutura mental está sendo alterada pelas ondas sucessivas de maquiagem da realidade?
Os adolescentes são profundamente afetados por tal comportamento. Numa época em que agradar ocupa lugar central nos pensamentos e ações, alcançar um grau máximo de perfeição os encaminha para o desapontamento. E aí, inevitavelmente, vão criar eles também uma gama de fantasias para se igualarem ao desfile visto a sua frente, na tela dos smartphones. Esse desejo até funciona se tiver como propósito a diminuição do que nos conduz à infelicidade. Ajeitar aqui e ali alguma coisa nos ajuda na expansão da autoestima. Mas há de haver uma dosagem, sob o risco de não alcançar nunca o suposto ideal. Em certas questões prossigo sendo radical. Mesmo observando a quase totalidade entregar-se a isso, recuso-me a engrossar a legião dos seguidores cegos da hipermodernidade visual. Onde vou, o que como, visto ou faço continua pertencendo ao campo da minha privacidade. Alcançar um número maior de pessoas para ouvir alguma reflexão, indicações de livros e filmes parece-me opção aceitável. Um considerável número de decisões ainda pertence à escolha individual. Até quando? Podemos nos adaptar a esses códigos, sem ceder cegamente. E vale lembrar: o anonimato é uma ótima opção, sem a neurose de ser testemunhado constantemente.
Poucos escapam à tentação dos simulacros. Parecer é uma religião para quem vive ancorado na imagem. Mas há nuances bem mais sutis perpassando o itinerário humano. Considero o silêncio, a reserva, e essencialmente o pudor, opções bem saudáveis. Recolher as asas de pavão que nos adornam, eis o grande desafio. A natureza segue em sua total indiferença. Do pó ao pó. Nossa breve passagem pelo planeta situa-se além de uma mirada no espelho. E se ela tiver espaço até o fim dos dias de cada um, será um desperdício. Resistir é preciso.