Tal é a nossa condição: invejamos nos demais o que em nós é carência. Aqui, um naco de juventude; ali, o assombro pela beleza ou pela inteligência. A fortuna do outro, pensamos enganosamente, seria razão suficiente para trazer felicidade. Mude o foco e verá certa avidez no olhar do amigo ou vizinho. E, veja só: sua vida é quase um desperdício, pois existe em abundância e ele nem percebe. O extraordinário adquire ares de normalidade e parece injusta distribuição do acaso. Temos enorme dificuldade de ver com clareza, em nos contentarmos, buscando o equilíbrio. O olhar, sempre periférico, raramente voltado para si, costuma dar um zoom e recolher em paisagem alheia o que acreditamos motivar o regozijo. Ao agir assim, ignoramos qualidades e virtudes manifestas na própria alma. Transmutamos ouro em latão, tão incapazes de extrair algo contaminado pelo desejo de ser o que não somos.
Muito dessa idealização se expandiu pelo uso massivo das redes sociais. As recorrentes postagens roçando a perfeição dão a sensação de haver qualquer coisa de errado conosco. Tudo tão sem graça, sussurramos com medo de nos escutarem, mas roendo as unhas para disfarçar a tristeza. E, ao menor descuido, também tiramos fotos e mais fotos, construindo um mosaico de momentos resumidos a instantes perdidos na banalidade do dia a dia. Pressupor a perfeição como uma dádiva é um duplo engano. Primeiro, porque ela comumente é produto da imaginação; e, depois, se encontrada, só excepcionalmente formaria um álbum de imagens. Em geral é uma escassa referência em meio ao comum, ao banal. A existência é complexa: há nela fissuras, situações anódinas e conflitivas, mas revelando-se poderosas para o crescimento pessoal. Sonhar em vestir a roupa que não nos pertence é perda de tempo e exercício de aflição. A grande tarefa a qual somos convocados é a de admirar e amar. Mesmo a dor e a perda precisam de valorização, pois são parte fundamental no edifício das emoções humanas
Pense antes de se lamentar. A história de cada um só é verdadeiramente usufruída se for do jeito que se apresenta. Desconhecemos a arquitetura emocional do que transcende a nossa alma. Provavelmente, enquanto lê esse texto e vai tecendo algumas lamúrias, alguém lhe espia e diz: quanta sorte ele tem! Tantas vezes essa sentença habitou sua mente, deixando de perceber esses modestos jorros de alegria disponíveis cotidianamente. Tudo se transforma, passa, se despede. Essa percepção é essencial para seguir com serenidade. Uns são mais aquinhoados, mas isso não lhes garante o pleno uso de seu tesouro. O sábio está contente com seu bocado. Nada pede, só a expansão plena da consciência.