O ser humano é admirável sob muitos aspectos. Temos nosso lado sombrio, perfeitamente equilibrado com a habilidade de inaugurar outra vez a alegria a partir de algum trauma sofrido. Acho comovente essa faculdade de transformar a aflição na antessala do gosto de viver. Deparei-me com considerável número de pessoas provisoriamente abatidas por perdas ou submetidas a esfacelamentos psíquicos.
Raras foram aquelas que, depois de terem mergulhado até o fundo do poço, não se sentiram motivadas a entrar com impulso renovado no chamamento da existência. Alguns desistem, se entregam, mas ainda se revela estatisticamente maior o número dos que, com paciência e tenacidade, encontraram um sentido para lutar novamente. É um processo doloroso e melhores resultados contabiliza quem conta com apoio para restabelecer fortes laços emocionais. Durante algum tempo acompanhei a trajetória de um amigo mergulhado na dependência química e na depressão. É desolador. Mas é, paralelamente, uma lição positiva para os que estão ao redor. Nunca sabemos exatamente o que se passa na mente do outro. Vagas intuições nos possibilitam vislumbrar sua dor. A prisão do eu nos permite ter acesso apenas a isso.
Quando alguém sofreu por longo período e readquire a aptidão de olhar para si sem sentir pena ou encontra-se motivado pelo desejo de recomeçar tudo, dá-se a partida para uma das experiências mais contundentes a se testemunhar. Nutro imensa admiração por profissionais responsáveis pela sua cura, mostrando a esses fragilizados como é possível interromper a queda. A sensação de deixar de pertencer à realidade dos demais deve gerar uma solidão intraduzível pela palavra. Mas quando os enfermos conseguem transpor o espesso muro da incomunicabilidade, inicia-se um processo para reencontrar a dignidade e o amor próprios perdidos. Aprende-se tanto ao lado dos necessitados de amparo: todos caminhamos às margens de terrenos lodosos. Basta um descuido e lá vamos nós. Na disposição de ajudar quem precisa, promovemos uma jornada épica em busca de nós mesmos, acessando nossa generosidade e incentivando a resiliência. Comovo-me ao lembrar das ocasiões em que testemunhei instaurar-se a luz nos olhos dos que, desesperadamente, precisavam de auxílio para tratar da alma.
Foi-nos dada a capacidade de nascer inúmeras vezes. Crises acontecem no universo do coletivo, mas também no silêncio machucado e intransponível de tantos. Essas novas semeaduras exigem paciência e observação constantes. Mas o retorno desse empenho equivale a uma revelação. Algo ligado ao ordinário, mas quase pertencente ao divino. Cada um traz em si forças que sequer imagina. Elas sempre estão lá como um aviso da nossa inquestionável grandeza.