E agora, José? O verso de Drummond parece mais atual do que nunca. Paira no ar essa interrogação. O que fazer se os abraços, os beijos e qualquer manifestação amorosa podem representar um perigo iminente? Quem sabe até quando nossos desejos deverão ficar encarcerados. Mesmo casais longevos evidenciam certa preocupação. Afinal, continuamos interagindo com as pessoas, embora minimamente. A salvo ninguém está. Porém, reza o bem senso: é premente encontrar um ponto de equilíbrio entre o necessário cuidado e o espaço, ínfimo que seja, para o contato com o outro. Se isso não acontecer, corremos sério risco de adoecer mentalmente. Aliás, profissionais da área de saúde mental sinalizam o aumento gigantesco de casos de ansiedade e depressão. Pois se o toque, o encontro, tornaram-se um campo minado, urge repensar severamente uma alternativa para a adaptação parecer menos aflitiva. Até quando?, perguntarão os incapazes de conter seus ímpetos, mordendo a vida em grandes bocados. Neste momento, toda conjectura é vã. Faltam-nos dados para efetuar uma prospecção segura. Penso, no entanto, que transformar a fé num artigo secundário, raramente acessado, traz um auxílio praticamente nulo. Aposto nela e, reiteradamente, na ciência. Os laboratórios são os novos templos. A expectativa de cura soa hoje como uma espécie de milagre.
Oh, otimismo, como carecemos de ti! A raça humana já enfrentou noites de escuridão, sem um amparo senão o de apostar no amanhã. Os seres insistirão, fortalecendo seus vínculos, embora longinquamente. Tenho um amigo de 22 anos que, alguns meses antes da pandemia, havia iniciado um namoro. Ele estava na melhor fase da paixão, aquela em que a presença da criatura amada significa a plenitude. Cuidadosos e certos da sobrevivência do amor, fizeram um pacto de fidelidade à distância. Persistem conversando horas diariamente, mais comumente pelo WhatsApp; reafirmam seu bem-querer, trocam juras eternas e se mantêm firmes em seu propósito. Claro, esse zelo extremo com a saúde não norteia a maioria. Mas para inúmeros acabou se tornando a melhor opção. Como em tantas áreas, os relacionamentos passam por profundas mudanças. Há quem resista e também quem encontra na conformidade um caminho a ser adotado. Temos dificuldade em sair de áreas onde o conforto e a proteção estão presentes. Vale lembrar: os que rechaçavam o uso das redes sociais (eu!!!) precisaram reavaliar suas posições. A questão foi de escolha, mas sobretudo de racionalidade.
O amor persiste gravitando entre nós, fortalecido pela perspectiva de dar um sentido à existência. Pouco importa a maneira como ele se revela. Sonhamos coletivamente em ser seus súditos leais. Logo ali adiante ele se imporá como sempre foi: cerne, núcleo, essência.