Até o terceiro século da nossa era, o cristianismo considerava válida a crença na reencarnação. Depois ela passou a ser excluída, pois os fiéis, amparados em conceitos que admitiam uma sucessão de vidas, nem sempre estavam dispostos a se manterem dóceis, passivos. Perceberam que ficou mais difícil usar uma moeda de troca tão valiosa: arrepende-te agora mesmo, pois não terás uma segunda chance. E a palavra esperança encurtou sua presença no imaginário de tantos. Pecado feito, pecado pago. Corta para os nossos dias. Muitos sistemas de pensamento, em especial a filosofia, consideram o homem um ser que se abastece com o imediato, aquilo que a realidade apresenta à sua frente e pronto. Escamoteiam toda crença por ela jogar as expectativas num hipotético futuro. Segundo Sartre, a existência precede a essência. Somos nós quem damos significado às coisas, portanto, é necessário fazer valê-las no presente. São duas posturas extremas e caberá a quem busca a sabedoria encontrar o equilíbrio, sem se deixar seduzir por promessas e nem agir pelo arrebatamento, querendo a saciedade iminente. É um tema instigante que ultrapassa a teoria e vai encontrar seu lugar no que é concreto para cada um de nós.
Aos dezoito anos, quando li Os frutos da Terra, do francês André Gide, tive uma espécie de iluminação. Era preciso compreender, mas viver o mais intensamente possível. Para tanto, ele incitava cada leitor a abandonar seu livro e encontrar, de maneira real ou metafórica, um vasto campo onde pudesse se regozijar com os seus sentidos em disponibilidade. Pergunto-me se fui um discípulo fiel de sua doutrina, mas, tantos anos passados, ainda me nutro da ideia de que é arriscado postergar desejos para um tempo que não sabemos se nos pertencerá. Por outro lado, a voracidade e o momentâneo raramente nos permitem sentir o verdadeiro sabor do que experimentamos. Talvez na chegada da maturidade, depois de respirar fundo e sopesar, sejamos capazes de tomar decisões que relativizem o impulso, mas que evitem jogar para o além o que tanto aspiramos. Aguardar traz consigo também uma certa dose de prazer. Está em Platão esse conceito tão disseminado: desejo é falta. Ansiar por algo já é, de certa forma, alimentar-se dele. Deixar que o coração pulse mais forte e a pupila dos olhos se dilate é um bom exercício para sorver o que dispomos. Num mundo em que as escolhas são jogadas aos nossos pés o tempo todo, decidir quando se deve dizer sim ou dizer não tornou-se uma arte.
O fato é que ninguém consegue se satisfazer somente do que tem diante de si. Comparamos, ansiamos por algo, almejamos alcançar metas. O hoje é curto; o amanhã, apenas uma hipótese. Caberá a cada um pintar o cotidiano segundo sua visão do que se deve nutrir como projeto ou simplesmente entregar-se à ação. Um homem livre acolhe o dia esperando e agradecendo.