A literatura explorou à exaustão a possibilidade dos seres humanos se tornarem imortais. Virgínia Woolf, na obra Orlando, e Simone de Beauvoir, em Todos os homens são mortais, criaram personagens inesquecíveis, atravessando séculos de vida. Experiência solitária, posto que o que a eles foi dado absorver e conhecer se constituía em exceção, com suas respectivas bênçãos e maldições. Algumas décadas nos separam dessas existências imaginadas e eis que, nos primórdios de 2020, isso já é visto como uma realidade tangível. É o que diz também o brilhante historiador israelense Yuval Harari: “Em breve a morte será opcional.” Essa afirmação me assusta e me perturba, e acaba suscitando uma série de indagações metafísicas. Ressalto que sou um grande aficionado dos avanços alcançados pela ciência. Um homem guiado unicamente pela fé tende a sedimentar seus preconceitos numa linguagem que o desobriga de comprovação. Para ele, a realidade precisa se curvar não diante das evidências, mas do mistério. E assim nasce o poder de manipulação que tem o seu embrião nas sacristias e se dissemina exponencialmente entre aqueles que evitam abrigar na mente a dúvida e uma certa dose de ceticismo.
O conforto que essa postura oferece é muito maior do que o obtido escarafunchando nas dobras do real. O compromisso em diminuir a ignorância que nos assola é a divisa que se encontra implícita no início de cada nova pesquisa. O que se descobre pode não ser necessariamente agradável, mas nos torna mais adultos e aumenta as defesas contra quem se apraz em dominar os demais. Daí a chegar ao ponto de nos tornarmos imorredouros, é um gigantesco passo. Esse desejo sempre esteve no nosso imaginário. Vide o espetacular trabalho do americano Carl Sagan, entusiasta da expansão dos limites que nos emparedam nos ciclos de nascimento e morte. O fato é a observação de Harari pode não ser meramente hipotética. Pois agora o que se postula e almeja é mais que a vitória isolada de um único ser: é a multiplicação e até a sua massificação. Claro, o primeiro aspecto a vir à tona é esse: Tudo indica que só terão acesso a ela os muito endinheirados, criando, assim, uma elite de criaturas que rivalizam com os deuses.
Precisamos pensar sobre essa questão com a seriedade que merece. Ignorá-la é dar as costas a algo que se avizinha. Partindo-se do velho princípio de que todo conhecimento é uma forma de poder, informar-se sobre esses progressos é um sinal de inteligência, para dizer o mínimo. Há tempo já saímos da ficção científica em muitas áreas. O que nos parecia um jogo de especulação já margeia o nosso cotidiano. É necessário ser pragmático e assim evitar ser atropelado pelo que virá à nossa revelia.
E a você, agrada a ideia de ser eterno?