Ainda persiste um traço indelével de machismo pairando sobre uma questão dolorosa: a do assédio. Ao saber que suas esposas ou namoradas foram forçadamente submetidas a essa trágica experiência, muitos homens apresentam uma reação curiosa, para dizer o mínimo. Antes de expressar qualquer amparo ou manifestar raiva do agressor, têm uma preocupação de outra ordem. Inexplicavelmente, bombardeiam-nas com perguntas do tipo: tem certeza que não fez nada para provocar isso? Você por acaso teve algum prazer? Isso se repete em muitos casos, segundo depoimentos das vítimas.
Pois é, são resquícios que deveriam ter sido abandonados lá no período medieval, sobretudo numa instância como essa, mas a verdade é que a maioria de nós ainda se relaciona na estrita observância de critérios de “propriedade privada amorosa”. Não consigo imaginar o sentimento de asco e horror que deve tomar conta de alguém que é forçado a se disponibilizar sexualmente sob violência. Por incrível que pareça, muitas mulheres também se culpam pela situação, acreditando que, em algum momento, deram margem para que isso acontecesse. Principalmente quando o cerco se dá em local de trabalho e o peso da hierarquia paira soberano. É uma circunstância dramática e que deixa marcas por toda a vida. Acrescido da incompreensão e da falta de esteio dos seres que lhe são caros, acaba por potencializar o drama.
Embora vivamos numa época em que o privado ganha status de excentricidade, aqui entramos no campo do que não pode ser questionado. Ser forçado a uma intimidade indesejada, com alguém quase ou totalmente estranho, só pode gerar um profundo trauma, que precisa encontrar apoio não somente terapêutico, mas sobretudo emocional dos que estão próximos. É triste constatar que no universo masculino ainda prossegue uma visão tão equivocada. Muitos maridos, ao serem informados do ocorrido, acabam desenvolvendo comportamento homicida. Porém, ele está claramente conectado à vergonha por ter compartilhado à revelia o que considera seu, desobrigando-se de se solidarizar com quem sofreu um ato tão torpe. Talvez seja por isso que um imenso contingente não denuncia o estupro. Continuam padecendo caladas, pois sabem que as consequências de uma fala podem ser tão ou mais dolorosas do que o silêncio.
Às vezes, penso que a castração química para os predadores poderia ser uma solução, mas me contenho. Expô-los ao escárnio público é a mais maneira civilizada de mostrar que o corpo, ainda e sempre, deve ser inviolável.