O que seria de mim se não vivesse num lugar onde posso armazenar silêncio e verde? Próximo das noites enluaradas, do cantar dos sapos que insistem em suas sinfonias assim que o crepúsculo chega. Extraio alimento de cada instante em que caminho pelo bosque, na escuta atenta do que acontece sob os meus pés. É um crepitar constante, uma espécie de fábrica em miniatura em que operários trabalham incessantemente. Cuido para que meus passos não assassinem minúsculas criaturas que seguem com suas vidas alheias à violência humana. Formigas cavam seus túneis mágicos, carregando comida para os dias de escassez. Grilos cantam e a melodia reverbera num ensaio não premeditado, amparo para quando a escuridão chegar. Encosto meu rosto no tronco de uma árvore antiga e deixo que o limo que lá se abriga o acaricie de leve. Nem preciso lembrar de algum poema para me sentir imerso na poesia. Isso é a própria poesia. Fico quieto, abraçando-me em sua imobilidade vegetal. Estou confortado, como se mal algum pudesse me alcançar. Não tenho expectativas e nem choro por um passado vestido de culpas. É a gratidão do momento que se esgota em si mesma. E compreendo, delicadamente, o que Buda passou a vida tentando nos mostrar. Mas sei que é lição efêmera: o mundo das gentes me devolverá à ansiedade e ao querer, esses venenos contemporâneos que nos privam da serenidade.
Opinião
Gilmar Marcílio: no bosque...
Neste pequeno sacrário entendo o quanto vale a solidão de cada um
Gilmar Marcílio
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