Ah, o que se faz no dia a dia... Isso é poderoso, é decisivo, é o que importa. Vale para todo mundo, pessoa física e jurídica. O que se faz no dia a dia é capaz de estabelecer um ambiente, uma cultura que, no conjunto, e na via de duas mãos, molda atos, atitudes, comportamentos, visões de mundo.
Além do ato bárbaro e cruel e da perda de uma vida da forma como foi, o estrago está feito para o Carrefour. E vamos ver que o problema se instala no dia a dia, no âmbito da falta de providências, ou da indiferença – no caso do Carrefour – administrativa. Sem falar no âmbito do chamado racismo estrutural, acavalado no dia a dia de séculos de permissividades e preconceitos. Isso constrói uma cultura de séculos que, para ser removida, é preciso ser confrontada incansavelmente.
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Há quem não goste da menção a respeito do preconceito racial, da ênfase da mídia ao assassinato de João Alberto, lembrando seus antecedentes policiais. Isso era – em vida – questão para a polícia e a Justiça. Não vem ao caso agora. Pois esse racismo estrutural está aí entre nós, e pode ser pedagogicamente traduzido no fato de que aquilo que aconteceu com João Alberto no Carrefour não aconteceria se a pessoa em questão tivesse outro perfil, inclusive étnico. O que houve é racismo estrutural, como negá-lo? Combatê-lo é obrigação.
No âmbito do Carrefour, o episódio exigiu que os principais executivos da rede viessem a público pedir desculpas. É o mínimo. Mas foi elucidativa a manifestação do vice-presidente de recursos humanos, que disse: “O que aconteceu em nossas lojas não representa quem somos, nem os nossos valores.” Acredita-se. Só que aconteceu. E se aconteceu, é sinal veemente de que o Carrefour não fez o dever de casa, por suas ações administrativas, estratégicas, corporativas, na prática das terceirizações, de disseminar em todo o ambiente corporativo, a todos os colaboradores e terceirizados, o “quem somos” da rede. Terceirização não envolve compreensão de missões e valores? Pois é. O Carrefour não levou a sério como deveria a necessidade de disseminar sua crença, inclusive entre terceirizados. Aí acontece o que aconteceu, porque esses valores não são fortes o suficiente na cultura corporativa.
Agora o Carrefour tenta recuperar o estrago, fazer valer seu propósito. Tem força para fazê-lo, e que o interesse esteja alinhado com seus valores. Tomara faça e sirva de referência. Valores precisam ser praticados no dia a dia. Sem concessões. Com zelo e prioridade. É ensinamento central desse triste episódio. Que sirva de lição para todo mundo, para construirmos um mundo fraterno, livre de preconceitos. Vale para o Carrefour, para pessoa física, para pessoa jurídica.