Tanto nos esforçamos, que estamos colhendo os resultados de uma vida praticamente normal nas ruas da cidade desde abril para cá. Em Caxias, agora são seis mortes em oito dias. Distanciamento social só houve nos primeiros 15 dias de pandemia. Como existe uma janela de 15 dias para o contágio, ainda está por vir mais expansão dos números por aí, acompanhada do mais trágico, de perdas de vidas, pois o movimento nas ruas segue em ritmo de normalidade. Como se não houvesse amanhã. Em Veranópolis, o prefeito da cidade disse que houve até festa rave com 206 pessoas em um sítio, e a contaminação dali se expandiu. No Rio de Janeiro, o técnico do Grêmio, Renato Gaúcho, pratica esporte na praia sem nenhuma cerimônia, o que é vedado de acordo com as restrições da cidade, e sem máscara.
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É esse o nosso jeitão de ser, que muitos dizem irreverente, espontâneo, na base do improviso. A covid-19 está revelando diante de nós, para quem quiser ver, uma boa tradução da sociedade. E nem sempre pode ser assim. Diante da covid, não pode. Acima de tudo, não demonstramos discernimento sobre o que está acontecendo, noção de consequência, em um show de infantilidade de graves consequências, com governantes de alto a baixo – com raras exceções – que não se preocupam em inibir ou restringir aglomerações, pelo contrário, liberam novos atrativos para ir às ruas, e o recado está dado e entendido: boa parte da população vai ao encontro das aglomerações. Administradores e governantes nos representam.
Acima de tudo, está sendo demonstrado de forma nua e crua, sob forma de covas coletivas, todo nosso desapego e falta de valorização da vida, desrespeito e desvalorização do outro, o que, aliás, sempre esteve escancarado no cotidiano. Não é novidade. Quando deixamos de nos proteger, expomos a risco a vida dos outros. O recado, ao que se vê tristemente, só é entendido na dor, isto é, quando as consequências mais duras da covid batem à porta, perto de cada um. Este cenário trazido pela covid trata-se de um bom desenho daquilo que realmente somos.
Gostamos de cantar e badalar Legião Urbana, em especial uma certa música, mas o recado de Renato Russo foi entendido exatamente ao contrário. Disse ele, no seu verso mais conhecido, que é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. O que tem se visto são comportamentos irresponsáveis, que contribuem para perdas de vidas, como se não houvesse amanhã. O contrário de amar as pessoas. E de fato, para essas vidas que já se foram e se vão, amanhã, na verdade, não há. Deixou de haver.
Quando vai cair a ficha?