Sempre gostei das ruas. Gosto de estar em casa também. Gosto da troca com a cidade, com as pessoas, com a natureza. Gosto do recolhimento também. Gosto muito do verão. Também gosto do inverno, especialmente do outono, da primavera, cada coisa em seu tempo. Gosto do sol na pele, do vento no rosto. Gosto das pessoas. Gosto de estar sozinho. A vida é esta multiplicidade, a riqueza dos contatos, o valor da solidão. É preciso aprender a gostar de cada coisa, de cada momento, de cada cenário, em seu tempo e lugar, apreciar cada possibilidade e cada oportunidade.
Não gosto, também, de uma série de coisas, mas estamos aqui a especular sobre o campo aberto das possibilidades vitais. E sopros de vida, sinais de vida são sagrados. Por isso gosto, e reverencio, e agradeço. Sempre gostei das ruas, mas neste momento estamos longe das ruas, onde a vida pulsa sob a forma de movimentos e encontros. É para estarmos longe das ruas. Mas gosto de estar em casa, mais quieto, mais lento, até sob repouso, sob forma de recolhimento, na proximidade dos mais queridos e dos mais íntimos, das duas pugs adoráveis que me fazem companhia incondicional. Gosto dos movimentos, da dança caseira do cotidiano, dos espaços de casa. E gosto de sacadas. Sempre gostei delas.
Sempre procurei imóveis para morar tendo sacadas como um dos critérios importantes a serem atendidos. Achar casa para morar é mais difícil. Então, apartamento tem de ter sacada. A sacada nos projeta para o contato visual com o mundo exterior, para o contato físico ainda que limitado e distante, possibilita o contato amplo dos cenários. Janela também. Mas sacada nos permite dar passos a mais, avançar um pouco mais sobre o espaço. Sacada sempre me foi essencial, essa mediação entre estar em casa e sondar as ruas, o horizonte.
Nunca entendi direito um certo menosprezo, ou desimportância, pelas sacadas na hora de escolher imóveis, na hora de morar. Tanto é assim que, na maior parte do ano, sacadas generosas e acolhedoras, inundadas pela luz do sol, ou linha de frente no contato com as diversas manifestações do clima, passam vazias. Estou mentindo? Um desperdício. Pois agora, neste momento de combate à propagação do coronavírus, as sacadas estão sendo redescobertas. Meio que na marra. As pessoas têm ido até as sacadas. Acenam, cantam, conversam, se expressam. Agora tem gente. Algumas delas viraram até palco. Elas funcionam como uma extensão dos limites colocados. Mas sempre cumpriram essa finalidade. Só não eram vistas ou percebidas assim.
Parece que neste momento delicado, enfim, estamos fazendo justiça às sacadas, descobrindo e valorizando suas possibilidades.