Era previsível que houvesse reações à fala de Milton Nascimento, de que a música brasileira “está uma merda”, com destaque especial para as letras. As reações em geral lembram que há, sim, música de qualidade feita no país, citando diversos músicos e compositores. Sem dúvida, há diversos. Feita essa ressalva, pareceu claro, pelo menos a mim, que a declaração de Milton referia-se ao tal “mainstream” (que palavra!!) do mercado da música nacional, isto é, à qualidade (ou falta dela) da música que domina esse mercado. Nesse cenário escasso, alguém precisava dizer alguma coisa, e Milton disse.
A partir daí, começa a haver convergência entre o que falou Milton e muitas das reações havidas. Essas reações lembravam que esse pessoal que faz música de qualidade tem espaço restrito no mercado. Bingo. É o que Milton procurou alertar. Nada contra qualquer tipo de música, é sempre uma forma de expressão cultural, mas sim contra a sonegação de música de qualidade, que fica escondida e confinada, quase em guetos, e não recebe visibilidade no mercado musical e do entretenimento, assim como o prefeito Guerra sonega espaço para manifestações de diversidade na Praça Dante.
A parte do palavrão foi o trecho da declaração que causou mais repercussão, mas Milton disse mais: “Não sei se o pessoal ficou mais burro...”, conjecturou ele. Conjecturas sinceras me interessam, diria Cazuza. E Milton complementou: será que “(o pessoal) não tem vontade de cantar sobre amizade ou algo que seja? Só sabem falar de bebida e a namorada ou namorado que traiu. “ Pois é. É quase a batida de uma nota só, praticamente só o que se ouve, o que é oferecido, com uma ou outra vertente musical a mais. Assim sendo, perde-se o contato com outras possibilidades sonoras, mantidas convenientemente à distância. Não que o pessoal tenha ficado mais burro, mas é preciso dizer de outro jeito: o país vai sendo emburrecido.
Outro exemplo: estamos aí com Legalidade, o filme que resgata o movimento liderado por Leonel Brizola para defender o acesso ao poder ao ex-presidente João Goulart em 1961. História pura, neste momento delicado. Mas quem quer saber de história? Pois restaram salas alternativas – pelo menos aqui em Caxias – ou poucas salas comerciais para exibição de Legalidade. Lembro quando o cineasta Silvio Tendler nos apresentou Jango em 1984, um documentário sobre o mesmo período histórico. Na época, era possível assisti-lo em circuito comercial, e as sessões lotavam.
Hoje, são outros tempos. “Tempos estranhos”, na definição de um ministro do Supremo, em que o Brasil vai ficando emburrecido. Os sinais estão aí, e são evidentes.