Houve uma trajetória que culminou no triste desfecho no final da tarde de domingo, entre as escuras, sujas e simbolicamente sombrias paredes de um prédio de estimação dos caxienses, em ruínas. Era o antigo prédio do Inamps, sigla que antecedeu o INSS, abandonado desde 2011. “No fim da Pinheiro”, como é reconhecido.
Mas o que importa é a trajetória de uma jovem de 18 anos, que tinha um nome: Ellen de Pontes Santos. Vejam o cuidado da letra L dobrada no nome de Ellen. Significa que, ao nascer, o nome que teria a recém-nascida foi tratado com cuidado, com preocupação ao detalhe. Havia uma expectativa, um futuro vislumbrado, do que o L dobrado no nome é um indício revelador, ainda que as condições exteriores pudessem colocar limitações para a menina que iria crescer. Mas houve brincadeiras na infância, algum sorriso, algum banco escolar, um caderno, um rabisco, colegas e turmas de parceria, houve algum sonho na adolescência.
Então, essa trajetória esboçada de Ellen culminou ali, amordaçada com fios de cobre, em uma das salas do prédio, carbonizada da cintura para cima. Desfecho degradante, dramático, que tem de nos dizer respeito. Porque uma jovem de 18 anos não pode percorrer esta trajetória. Quando percorre, isso deveria ser um soco na boca do estômago de toda a sociedade. Como permitimos? Como não se interferiu para conter esse percurso que iria desembocar nos escombros escuros do prédio do Inamps, bastante familiares a usuários de droga e moradores de rua em condições degradadas? Como não se identificaram sinais de que estava em curso uma trajetória que se revelou irreversível, mas não era?
Cada passo de um percurso é resultado de escolhas, circunstâncias ou inviabilidades anteriores. Mas a cada etapa da vida de Ellen, o percurso convergia aos poucos para o prédio da Pinheiro. E ele convergiu, definitivo.
Houve outras vidas recentes que merecem que nos debrucemos sobre suas trajetórias. Uma família que se desfez por inteiro, pai, mãe e filho de 4 anos, neste episódio na cidade de Cristal, em que o homem que se suicidou envolveu a família para tentar resgatar participantes de um assalto. Ou outra jovem, nascida em Feliz, cuja trajetória convergiu para Bom Jesus, onde teve o corpo simplesmente esquartejado. A sociedade, isto é, nós, devemos nos debruçar sobre essas trajetórias.
A cidade deveria fazer silêncio para Ellen. A Câmara de Vereadores, as reuniões em igrejas, os círculos de paz deveriam pronunciar o nome de Ellen em algum momento desta semana. Seria um esboço de reação se a vida de Ellen fosse lembrada. Essa morte estúpida deveria incomodar a cidade. Mas não vai.