A esta altura, já temos mais 6 cadáveres, que se juntam aos 8 do final de semana. A realidade leva de roldão qualquer pretensão literária ou de um assunto mais ameno. É que são 14 mortes violentas em três dias. Ou 14 vidas. Um assassinato a cada 5 horas e 8 minutos, para ser rigoroso. Não esqueçam esses dias de outubro: a violência está mudando de patamar em Caxias. Não é que esteja se tornando banal. Está se tornando, isto sim, mais banal do que já é. Não há mais estranhamento, é quase um vulto conhecido, com quem cruzamos na rua todo dia.
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Entre esses assassinatos, os detalhes são levados pela avalanche da violência, mas será necessário deter-se em dois desses crimes, pois são reveladores e imprimem às mortes um caráter emblemático. No primeiro caso, o rapaz de 21 anos, um guardador de carros no centro da cidade, foi morto com 21 golpes ou estocadas de faca, ou de algum outro instrumento cortante, na esquina da Marquês do Herval com a Pinheiro Machado – a uma quadra da Praça Dante. Vejam que a execução exigiu alguma minúcia e tempo para o desenrolar de toda a operação. Afinal, foram 21 golpes. A centralidade até nem é inédita, pois já houve crime ao lado do chafariz, na própria praça. Mas precisa ficar registrada a desinibição para o ato violento, que nem a exposição de uma rua central, em frente a uma delegacia de polícia, conseguiu abalar.
O segundo caso, no entanto, é muito mais sintomático e revelador de até onde descemos. O corpo do homem, depois de feito o serviço com um tiro no peito, foi simplesmente descartado dentro de um contêiner. Como lixo. É importante sublinhar: o detalhe da vida jogada no contêiner ficou assim, misturado a outros pormenores da enxurrada de crimes. É preciso dar-lhe a visibilidade necessária para constatação, reflexão e, quem sabe, alguma indignação. Na Caxias destes nossos dias apressados e repletos de tecnologia, a vida é destinada ao lixo, sem solenidades. O contêiner por perto, um equipamento urbano com outra finalidade, oferece a facilidade operacional para os criminosos, que se desincumbem rapidamente da destinação daquilo que, para eles, é um estorvo.
Esse flagrante que quase se perde na avalanche dos fatos evidencia um qualitativo, digamos assim, do crime. E então temos o quantitativo e o qualitativo, a denunciarem a realidade em que estamos metidos, realidade de desprezo à vida, que deixamos fosse construída aos poucos, a cada desrespeito ou preocupação individualista. E que agora está aí, no nosso nariz.Bem a propósito: com o que mesmo estamos conectados?
Opinião
Ciro Fabres: a vida no contêiner
O detalhe ficou misturado a outros pormenores da enxurrada de crimes
Ciro Fabres
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