Dias atrás, a tenente porta-voz do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo dava uma entrevista sobre o resgate dos corpos do trágico acidente aéreo que vitimou 62 pessoas na cidade de Vinhedo. A profissional estava lá no local da tragédia diante de um grupo de jornalistas anunciando “com alegria” — palavras dela — que o último corpo havia sido recolhido e que estava concluída a missão de encaminhar todas as vítimas para serem identificadas no IML. Durante todo o pronunciamento, contrastando com o pesar que a situação exigia, a tenente demonstrava no semblante um misto de euforia e de contentamento.
Obviamente, foi criticada — com razão — pela falta de profissionalismo e de decoro diante de uma tragédia de tamanha proporção. Sem dúvida há de se parabenizar o trabalho executado pelos bombeiros, mas não é exatamente um momento para autocongratulação e comemoração, muito menos de alegria (ou de tirar uma foto do grupo diante dos destroços). A escolha infeliz das palavras e a falta de postura da porta-voz revelam um total despreparo para a importante função de comunicar em meio a um trabalho árduo, dolorido e extremamente difícil, ainda mais para as famílias que aguardavam pela identificação do seu ente querido.
O mais bizarro é que, reagindo às críticas, muitas pessoas passaram a defender a tenente, dizendo que ela “só estava nervosa” e que “apenas cometeu uma gafe”, afirmando que existem vários casos em que alguém ri em situações dramáticas. Até concordo: um cidadão comum, sem treinamento, pode demonstrar nervosismo. De uma profissional que esteja ocupando um cargo importante na comunicação de uma corporação séria em meio a uma tragédia, devemos esperar bem mais. Como dizem, “se não sabe brincar, não desça para o parquinho”.
Entre as muitas coisas que aprendi no curso de Jornalismo lá nos anos 1990, ética e decoro eram parte importante do currículo. Contudo, parece que de uns anos para cá isso ficou esquecido em algum canto ou soterrado pelos novos protocolos de se normalizarem absurdos. Se releva a incompetência para evitar “julgar os outros” ou para “preservar a saúde mental” do alecrim dourado incapaz de lidar com críticas em seu local de trabalho.
A sociedade vem tratando como normais e aceitáveis atitudes que são vergonhosas e nada mais. Se relevam erros e trapalhadas chamando-os de “gafes” ou de “deslizes”. Em nome de uma suposta luta por uma sociedade mais igualitária e mais diversa, normaliza-se a incompetência, a injustiça, o mal feito, o amadorismo, a falta de empenho. Ninguém mais parece ter vergonha de ser incompetente quando se tem na manga uma cartinha de salvo conduto: o vitimismo.
Quando alguém é cobrado por sua incompetência ou desempenho pífio, basta alegar ser vítima de algum “ismo” ou de alguma “fobia” e tudo fica bem. Não, nem tudo fica bem. Que tal normalizarmos isso?