A música talvez seja uma das mais elevadas formas de arte que o ser humano já criou. Para compor e executar uma única sinfonia, são necessárias horas de dedicação. Pense em todos os músicos e o maestro que compõem uma orquestra, as particularidades de cada um dos instrumentos, a inteligência e a habilidade necessárias para coordenar o corpo e a mente e calcular o tempo certo. É admirável.
Dizem que para saber o grau de desenvolvimento de um povo, basta prestar atenção à música que ele produz e escuta. E, neste quesito, sinto informar que o Brasil hoje mais parece um lixão fétido cujo chorume se espalha e se multiplica em grande escala. Cada vez que escuto por imposição aquele som de bater lata, primitivo e repetitivo, saindo de um carro ou de caixinhas de som portáteis que infernizam praias e ruas, fico pasma com a decadência do gosto musical da população em apenas três décadas.
Tempos atrás, assisti a uma entrevista com o crítico musical Regis Tadeu em que ele afirma que existe uma espécie de “emburrecimento programado” da população. Segundo o crítico, os jovens têm preguiça de ler, não valorizam a escola, têm pouco interesse e estímulo por adquirir cultura em geral. Assim, acabam sendo expostos a sons que são muito fáceis de serem assimilados — esses “pancadões” com poucas notas e sem muitos instrumentos, rimas pobres e letras que refletem uma vida movida a promiscuidade, exibicionismo, abuso de substâncias ilícitas e ausência total de espírito crítico para refletir sobre sua própria realidade.
Música ruim só se propaga e se populariza quando encontra um terreno fértil, ou melhor, uma terra arrasada no quesito cognitivo e cultural. O que mais me intriga é como isso foi abraçado pela mídia, mesmo sendo precário e desprovido de qualidades estilísticas, tratado com certo glamour como legítima forma de expressão cultural de determinados redutos. Certos estilos foram criados nesses redutos não porque são legítimas representações culturais, mas porque era o único tipo de expressão musical possível de ser criada num ambiente sem acesso a outros estilos que exigem mais investimento, mais estudo, mais conhecimento, mais cultura.
Acabaram glamourizando a precariedade porque é muito fácil lucrar com ela tendo em vista as massas de jovens de pouco estudo, formadas praticamente por analfabetos funcionais, que simplesmente ignoram a existência de outras formas mais elevadas de expressão sonora. Contudo, esses mesmos jovens têm acesso constante às redes sociais, onde esse barulho se dissemina como trilha de postagens, vídeos de festas, criando um mundo falso de alegria e de curtição que não passa de uma gaiola. Não se ouve outra coisa não só porque não se tem acesso, mas também porque não se tem aparato cognitivo nem emocional para apreciar outra coisa, infelizmente. Tudo que se consome sem questionar, que se ouve só porque “a turma” ouve, é uma forma de aprisionamento, não de entretenimento.