Depois de mais de 20 anos à frente da John Deere Brasil, Paulo Hermann, 67 anos, faz questão de destacar que agora está no comando de sua agenda. E fez questão também de estar em Caxias do Sul, na última semana, para participar do Simecs Transforma, evento do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região.
O engenheiro agrícola e líder de grandes projetos no setor do agro brasileiro falou sobre as oportunidades e desafios do setor. Na entrevista a seguir, ele destaca a forte ligação com as empresas da região. Confira:
Como a tua trajetória de vida e profissional se conecta com a da Serra?
Eu sou gaúcho, nasci no sul do Estado, em São Lourenço do Sul. Sou filho de agricultores e fiz minha carreira acadêmica naquela região. Depois, profissionalmente, em dado momento, eu entro na indústria de máquinas agrícolas. E aí eu começo a conectar com Hugo Zattera, da Agrale, Raul Randon e seus filhos. Depois vim várias vezes na CIC participar de reunião-almoço. E tenho em Caxias um grupo muito grande de amigos.
Na última vez que esteve em Caxias, participou do lançamento de um vinho em homenagem a Raul Randon.
Essa história do vinho é muito interessante e vale a pena contar. Quando seu Raul ainda estava vivo, nós jantamos juntos na RAR e ele me contou, muito entusiasmado, do reconhecimento que tinha recebido, o diploma Honoris Causa da universidade italiana de Padova. E eu sugeri que ele fizesse um vinho especial em homenagem ao título. E ele fez esse vinho chamado Laurea ad Honorem. Só que, infelizmente, ele não conseguiu estar presente no lançamento. Ele provou o vinho, mas faleceu antes de ele ser lançado. Então eu vim acompanhar esse momento, quando também foi lançado um livro em homenagem a ele. Essa foi a última vez que vim a Caxias. Agora a história continua... No ano passado, em setembro, eu recebi o título Honoris Causa de uma universidade de Minas Gerais. Na janta em que eu recebi, estavam o Sérgio Barbosa, da RAR, e o Daniel Randon, presidente das Empresas Randon. Eles resolveram retribuir e perguntaram qual era o espumante que eu mais gostava. Eu disse que gostava muito do Avvento, que a RAR faz, e nós fizemos uma série especial em homenagem ao meu título. Foram cerca de 400 garrafas e eu dei de presente para meus amigos. Essa história começa no campo profissional e vai se aprofundando no campo das pessoas, do relacionamento e da afinidade.
Atuar no segmento do agro tendo a experiência de vir do interior auxilia a ter uma visão do setor mais ampla e visionária?
Não necessariamente a pessoa que vem do campo, filho de agricultor, tem toda essa paixão, todo esse orgulho. Sempre digo que meu grupo social é aquele lá atrás, onde nasci. Essa é a minha turma. Fui presidente da John Deere, mas isso é uma etapa. E Raul Randon também tinha muito isso. Sempre dizia a ele: eu tenho duas pessoas que são referência de vida para mim: uma é você, porque a pessoa que se faz do nada, mas nunca perde a humildade. E esse sentimento social de que a gente tem que devolver. E, quase no fim da carreira, abre um novo negócio que não tem nada a ver com a parte de carretas, industrial, essa é uma pessoa diferenciada, que enriqueceu nossa civilização. Outra que eu acho fora de série é o Nelson Mandela. Uma pessoa que fica 27 anos presa, sofre todo tipo de humilhação e pressão psicológica, sai do presídio, é eleito presidente do país e, em vez dele buscar responsabilizar todos que fizeram aquelas atrocidades, ele prega conciliação. Sempre que tem alguém muito melhor que você, um espírito mais desenvolvido, você tem que segui-lo e procurar, no mínimo, ser um pouco parecido.
Neste momento, de muitos desafios e oportunidades para as indústrias, que exemplos o senhor traz?
É uma pergunta superoportuna. Se olharmos na história, as sociedades avançam nas crises. A covid-19, em que pese tenha trazido tanta desgraça a milhões de pessoas que morreram, por outro lado, gerou um monte de oportunidades. Pega no campo das vacinas, em toda parte de equipamento de proteção, de testes... A indústria também se desenvolveu nessa área. No agro, conseguimos mostrar para a sociedade o quanto é importante a comida. No início, tinha gente que correu para o supermercado achando que ia faltar. Na prática, os agricultores continuaram produzindo e entregando nas gôndolas. Certos segmentos realmente andaram muito. O digital teve seus processos acelerados. Aprendemos a trabalhar a distância. Plataformas de comunicação que não existiam ou não eram usadas ganharam força. Outros segmentos pereceram, como eventos, restaurantes, linhas aéreas, hotelaria. Como tudo na vida, tiveram outros que aproveitaram a oportunidade e se fortaleceram.
Como enxerga o momento atual com falta de componentes na indústria ?
Eu sou sempre muito otimista. Falta por quê? Porque há um excesso de demanda. É tudo que nós queremos. De repente, o mercado vem e eu não consigo atender, mas é parte do jogo. Sempre digo: se eu tivesse um restaurante e, faltando 10 minutos para o meio-dia, chegam quatro ônibus com gente para almoçar, será difícil atender. Não tem cozinheiro, não têm fogões suficientes. Agora, se chegar um às 11h, outro meio-dia, outro às 13h e outro às 14h, eu atendo todos. O grande tema hoje é que houve uma concentração muito grande em um espaço muito curto depois de termos desacelerado de uma maneira geral as nossas empresas.
A situação se estabilizará? Como lidar com a inflação?
A inflação sempre preocupa. Quando os preços se tornam um ponto fora da curva vai ter gente que vai ficar a margem do processo. Agora tem uma coisa que se chama oferta e demanda, uma lei como a da gravidade. O dia que a oferta regularizar, a tendência é que os preços vão ceder. Se pegar o preço dos combustíveis hoje nos Estados Unidos, um galão de gasolina está 10 dólares. Há seis meses, eram 2,50. É oferta e demanda. Saiu a Rússia do jogo, que é uma grande produtora de petróleo e gás, e inflaciona. O mundo se desequilibrou momentaneamente e isso é fruto da covid-19, do conflito e coisas que nos tiram da normalidade.
Mas o senhor acredita que vai normalizar?
Tudo tenderá a se ajustar. A questão é quanto tempo vai levar. Eu achei que a gente iria já em 2023 ter uma situação mais equilibrada, mas, aparentemente, ainda nós vamos levar no mínimo seis meses para a gente ter um fluxo mais regular de componentes e matéria-prima para as nossas empresas. Nós temos esse conflito da Ucrânia com a Rússia, Isso vai mexer com toda a logística de fertilizantes, de produtos, de alimentos, de energia, de gás. Mas, eu acho que o Brasil, no final das contas, está muito bem posicionado. Você pega, por exemplo, a indústria da construção civil que está andando em um ritmo superacelerado em quase todas as cidades, que viraram canteiros de obras. O agro está a mil por hora. Nunca o digital andou tanto. As empresas de consultoria nunca tiveram tanto trabalho. Eventos estão retomando. Tem segmento que vai ter mais dificuldade, mas é do jogo, é assim que funciona a vida.