O Grupo Brinox, fabricante de utilidades domésticas com matriz em Caxias do Sul, é comandado, há mais de uma década, por um executivo estrangeiro. Apesar da certidão de nascimento de Christian Hartenstein destacar a origem argentina, o CEO do grupo fundado na Serra tem descendência brasileira e veio muito pequeno para o país. A seguir, Hartenstein comenta os investimentos recentes da companhia em expansão industrial e aborda planos futuros.
Como é ser um argentino, que mora em São Paulo, passa os finais de semana em Buenos Aires e tem a matriz da empresa em Caxias do Sul?
Eu costumo dizer que sou argentino, mas não sou praticante, porque eu cresci no Brasil. Quando eu tinha dois anos, meus pais se mudaram para cá. Eu sou o maior de três irmãos e os meus dois irmãos nasceram aqui. Mas o meu avô também é brasileiro, porque meu bisavô veio da Argentina para o Brasil, montou uma fábrica em 1919, mas depois quis se aposentar na Argentina. Eu sou um exemplar real de um cara que é metade brasileiro metade argentino. Passei mais da metade da minha vida no Brasil, eu cresci aqui, o que determina muito da personalidade de uma pessoa e do entendimento da cultura de um lugar. Eu gosto de brigadeiro, arroz com feijão... Não me considero um estrangeiro. Estou casado há 20 anos e tenho três filhos. Quando assumi o projeto da Brinox, uma vez que o fundo de investimento comprou a empresa, em maio de 2011, eu já estava no Brasil trabalhando como CEO da GA.MA Italy Mas logo em seguida minha mulher, que é argentina, quis se mudar para ficar mais próxima da família. Como eu viajo bastante, voltar para São Paulo ou Buenos Aires dava quase no mesmo.
Como se divide para administrar todas as unidades do grupo Brinox?
Em cerca de 10 anos que estou aqui, a empresa cresceu muito, em todas as dimensões. Éramos uma empresa de 330 funcionários, de dois mil produtos, basicamente de aço e inox, que só tinha uma fábrica e o escritório em Caxias. Hoje temos próximo de 1,1 mil funcionários e duas unidades fabris: a de Caxias e, desde o ano passado, a de Linhares (ES). E temos um escritório comercial, com um showroom muito ativo, em São Paulo. Adicionalmente, temos um escritório próprio com uma equipe nossa em Guangzhou, na China, há cerca de oito anos. Para toda organização, foi um exercício de aprender a trabalhar com colegas que estão distantes, com decisões sincronizadas. O esforço de ter uma equipe coordenada é muito grande. Cria uma dificuldade a mais estar espalhado mas, por outro lado, o desafio de qualquer empresa que quer crescer tem a ver com sair da sua área de conforto e buscar novos horizontes. Passamos para mais de seis mil produtos, divididos em plásticos, melanina, vidro, alumínio... E passamos de uma só marca para três, temos Brinox, Coza e a Haus Concept. No mês que vem, vamos lançar uma nova marca bem inovadora que se chama Rasco.
Com que produtos essa nova marca vai trabalhar?
No segmento de churrascos, que tem o DNA do sul do Brasil, mas é algo que se come em todo o território nacional. A gente viu a oportunidade para a entrada de produtos inovadores e criamos uma marca independente para trabalhar este segmento.
Quando ingressou na Brinox, tinhas esse planejamento de expansão ou o mercado foi demandando?
Eu tinha um projeto que permitia uma expansão. Uma das coisas mais interessantes que me atraiu no momento que aceitei comandar a Brinox, que naquele momento era só ela, era que muito mais do que uma empresa definida, era uma plataforma interessante para utilizar como base para formar negócios que nos permitissem, de maneira muito rápida, capturar novos segmentos do Brasil. O guarda-chuva era muito interessante, porque em um país continental como esse, a Brinox em 2011 já tinha uma distribuição comercial muito capilarizada, que chegava a todo território nacional. Isso, para um país tão grande, é um dos principais ativos de uma empresa, pois você pode ter um excelente produto, uma excelente marca, mas, se não tem como fazer chegar na prateleira para milhões de consumidores, tua marca e produto não vão muito longe. E leva muito tempo para construir essa ramificação na distribuição. E foi assim que, em 2012, fizemos a aquisição da Coza, com a coincidência de ela estar na mesma cidade. Era uma empresa menor, tinha 43 vendedores. A Brinox já tinha 90. A Coza tinha cerca de 1,5 mil clientes, a Brinox tinha mais de 3 mil. A gente acreditava que poderia fazer a Coza crescer utilizando a nossa plataforma comercial e ela deu muito certo. Adquirimos ela com todos os desafios que se impuseram. A Brinox era uma empresa de uma só cor, de aço e inox, para integrar uma empresa com cor, com uma dinâmica diferente, muito feminina, porque era comandada por mulheres, com design... A gente teve que aprender a se complementar com o esforço de não “Cozificar” a Brinox e também não podíamos “Brinoxificar” a Coza. Se a gente perde a essência de cada negócio por essa integração, a gente dá um tiro no pé. Então tomamos muito cuidado, desde detalhes, como os uniformes, a ponto de parar as fábricas para um treinamento de acolhimento. Em 2014, decidimos entrar no segmento de panelas, fazendo uma das fábricas mais modernas do Brasil, com panelas de cocção, tanto a linha pro flon quanto cerâmicas.
As panelas são hoje o carro-chefe do grupo Brinox?
Representam 40% do negócio. É a categoria unitária mais importante que temos. E teve uma aceitação e penetração muito robusta no Brasil. Conseguimos ser parceiros relevantes de grandes clientes, como os maiores varejistas do Brasil.
Em um segmento de concorrência muito forte...
A categoria de UD (utilidades domésticas) no Brasil é muito competitiva, com empresas de escala global operando daqui. Não é fácil concorrer aqui e crescer. Agora, quando você vai para fora, também é reconhecido. Se você faz UD no Brasil, já sai na frente de muitos países do mundo.
Além do Sudeste no Brasil, quais são os principais mercados internacionais da Brinox?
O principal mercado é a América Latina, em especial a América do Sul, mas exportamos também para África, Europa e América do Norte, com grandes possibilidades de abertura para outros mercados. Estamos vendo que o ritmo de crescimento é acelerado. Acredito que, a partir do ano que vem, a América do Norte vai ser o nosso principal mercado e passar a América do Sul.
Como a pandemia reconfigurou o negócio?
A gente viveu um mês inteiro de incertezas neste mesmo período há dois anos, não só do negócio, mas da economia como um todo e da saúde. E isso fez a gente se unir como indústria para enfrentar um desafio comum. Ela (a pandemia) aproximou o setor, e essas relações continuam. No nosso negócio, de itens para casa, a partir de junho de 2020, observamos uma demanda crescente. Se as pessoas não gastavam mais dinheiro com gasolina, jantar, roupas, pois na saíam, e tinham renda, pensava: “se vou ficar em casa, vou trocar as panelas.” Nós terminamos 2020 muito por cima do plano original. Mas, no início da pandemia, cerca de 100 pessoas chegaram a ser demitidas. Porque ainda não tinham as medidas do governo. Em maio, tínhamos 700 funcionários, e foi uma decisão difícil, pois fizemos o corte para assegurar o emprego dos demais. Com a flexibilização, conseguimos ter tempo de se reorganizar. Hoje, o quadro é muito maior. Em 2021, fizemos um ano recorde de resultados. Ao mesmo tempo, lá em 2 de janeiro de 2020, estávamos começando a operar em Linhares. Até então, tínhamos dois funcionários. Hoje temos 450. Veio a pandemia e nós estávamos a 30% do investimento de construção de uma fábrica. Tínhamos que contratar pessoas, mas como fazer isso sem poder viajar? Foi um grande desafio. No mesmo ano, contratamos quase 200 pessoas sem poder fazer uma viagem de treinamento. E hoje você vai a Linhares e vê uma operação em um tamanho similar ao de Caxias, com 40 mil metros quadrados de fábrica.
Como ficou a distribuição da produção e dos negócios?
Em Linhares, nós produzimos as panelas. Em dois anos, duplicamos nossa fabricação desses produtos. Em Caxias, fabricamos toda a linha da Coza e todas as lixeiras da Brinox. Aqui está o centro de desenvolvimento de produtos de todo o grupo, todo o time de matrizaria. Temos uma empresa dentro de outra fazendo nossas próprias matrizes, o que nos permite ser rápidos na execução dos projetos e manter o sigilo durante o desenvolvimento, por mais que depois seja copiado muito rápido. São Paulo, para nós, é o coração comercial, Caxias é o coração de inovação, administração e RH, e Linhares é o coração logístico, onde também temos produção.
Com a produção de panelas sendo concentrada em Linhares, sobrou espaço em Caxias para outra expansão?
Eu sempre digo: uma empresa precisa ter espaço disponível. Sem espaço, você não pode crescer. Nós temos vários projetos aqui. Se olhar o histórico da empresa, a gente nunca teve espaço ocioso por muito tempo. Sempre aparecem ou desenvolvemos novos negócios e que precisam de espaço. Acabamos de fazer o maior investimento em um só ano para a expansão fabril como um todo. Em Caxias, temos alguns planos de novos negócios que estamos desenvolvendo, mas ainda em etapa de sigilo. No negócio atual, temos o plano de expansão da Coza que obedece demandas, mas também um novo segmento de entrada que vai gerar investimentos na nossa planta de Caxias dentro do universo do plástico, que vai ocorrer a partir do segundo semestre. Se fizermos alguma aquisição, será muito pequena, porque a expansão está muito mais baseada em novas linhas de produtos.
A Brinox também lançou recentemente um produto que reverte lucro para o enfrentamento da violência contra a mulher. Como surgiu a ideia?
Nós temos há muitos anos uma vocação genuína de dizer: o que mais podemos fazer? Qualquer pessoa que tenha uma posição de liderança, e não precisa ser um CEO de uma empresa, tem, em um país com tantas desigualdades, a reponsabilidade de fazer algo a mais. Como empresa, muito mais. Nós podemos usar nossos meios para colocar alguns temas à mesa e amplificar. Temos que escolher algum para concentrar nossas energias. O assunto da violência de gênero nós trouxemos há uns cinco anos porque ele está muito ligado com o que a gente faz. Nossos produtos acabam sendo adquiridos por mulheres. A violência ocorre dentro de casa. Mas, mesmo quando olhamos o quadro de funcionários, em que quase 60% é de mulheres, o tema sofreu resistência no início, das próprias mulheres. A gente continuou trabalhando e hoje está contente com os passos dados, mas consciente de que falta muito. Estamos na ponta do iceberg. Mas nós temos mais de 17 milhões de oportunidades de alguém desembalar um produto nosso e encontrar uma mensagem que pode ajudar alguém. Começamos com isso no ano passado e agora também temos o copo que reverte o lucro para entidades que trabalham com o enfrentamento da violência, como a Casa de Apoio Viva Rachel, em Caxias do Sul.