Rafael Hübler é o CEO do Bestlink, uma plataforma de gestão para supermercados criada para conectar o varejo à indústria pela compra direta. Executivo, com formação em Administração de Empresas e Gestão Empresarial, vive em Gravataí com a família, mas a esposa, Maira Boz, é natural de Caxias. Os dois administraram juntos um supermercado em Caxias de 2009 a 2012.
Quando ele vendeu a operação, foi convidado pelo Carrefour a assumir como diretor comercial em São Paulo. Nos 20 anos de carreira, também passou por grandes redes de hipermercados, como Walmart Brasil SA e Cia Zaffari, antes de decidir criar o Bestlink.
Hübler é professor da PUC-RS na área de vendas e resultados de alta performance com ênfase em atacado e gerenciamento por categorias. Confira os principais trechos da entrevista.
Como foi a experiência de comandar o próprio supermercado em Caxias do Sul?
Foi uma das experiências mais incríveis da minha vida. Empreender é fantástico, é a vida como ela é. Tive as mais variadas experiências e sentimentos, das melhores às piores. Eu vinha de 10 anos como executivo e diretor de uma grande rede mundial de supermercados, mas quando me deparei com a realidade do empreendedorismo, a primeira coisa que eu aprendi foi que eu sabia muito pouco e que teria que, primeiro, aprender daquela realidade para depois implementar aquilo que eu poderia trazer. Como executivo, nós estamos em uma redoma, com um setor para fazer cada coisa, é orçamento aqui, meta ali, tipo uma corrida de bastão. No supermercado próprio, foi tudo completamente diferente. O poder de barganha não existe, as produções de padaria, açougue, compras de mercadorias, operações, contabilidade, abertura e fechamento de caixa, ir na Ceasa, buscar mercadoria em outras cidades, fechar o caixa às 11h da noite e acordar para ir fazer Ceasa às 3h da manhã, funcionário faltando, etc. Em uma grande rede, quando um funcionário falta, ele é absorvido pelos outros milhares que trabalham lá, mas quando um funcionário de uma loja que tem 10 funcionários falta, é 10% do quadro, e quando um funcionário mais estratégico como um açougueiro ou um padeiro falta, te derruba o dia. Quando assumimos, eu e a minha esposa, Maira Boz, o supermercado já tinha passado pelas mãos de três proprietários. E dava para ver que tinha um grande potencial de ter sucesso. E foi o que realmente aconteceu, contratamos pessoas maravilhosas. Ficamos com o ponto por três anos, as vendas melhoraram significativamente, os negócios começaram a crescer. Quando compramos, tinha um caixa, oito funcionários e um faturamento x. Quando vendemos, estava com 4 caixas, 20 pessoas e um faturamento de 4 a 5 vezes maior. Foi uma experiência que me fez saber o que realmente significa “dor de dono”, jargão este que hoje eu questiono quando escuto de um executivo que nunca teve o próprio negócio. Dono não sente só dor, dono sente amor, sente carinho, sente alegria, sente aflição, sente todos os tipos de sentimento, inclusive, dor. Até hoje, quando vou em Caxias passo pela frente para ver o movimento. Meu carinho por aquele local é e sempre será muito grande.
Como esta experiência o auxiliou para a atuação em outras grandes redes?
A experiência com o supermercado próprio me fez crescer muito como profissional e como pessoa. Me fez entender melhor como pensa um dono, as dificuldades de um líder, saber como é um “supermercado de verdade”. Meu sonho era começar a comprar comércios, não necessariamente supermercado, que estivessem passando por dificuldades para arrumar, subir faturamento, valorizar e vender. Porém, recebi o contato de um amigo de uma grande rede, o Carrefour, e me fizeram uma boa proposta para que eu fosse para São Paulo e assumisse como diretor de uma das áreas da central. Aceitei e fiquei no Carrefour até que recebi um contato do Walmart, para participar do projeto de transformação dos atacados da empresa no Brasil, que aceitei. Foi ali que pude fazer a diferença com o meu conhecimento como o dono do próprio supermercado, pois como o negócio seria o atacado, os clientes seriam os donos de supermercado. Eu era cliente do Maxxi (atacado do Walmart), e sabia, como cliente, dos pontos fortes e fracos, onde teríamos que atuar. Nossa transformação rompeu fronteiras, virou notícia dentro da empresa no mundo todo, foi muito bacana.
Como surgiu a ideia de criar um aplicativo para conectar fornecedores?
É muito curioso, porque a ideia de fazer a conexão é a somatória de tudo o que eu vivi até hoje. Por sentir as dores do dono do supermercado, por tentar comprar direto de fábrica e não conseguir, por ter que passar dias e dias correndo em busca de mercadorias, recebendo mercadorias vencidas, sem ter competitividade com os grandes, por ter que trabalhar com margens baixas e pela dificuldade de melhorar o sortimento para meus clientes. Depois, como um dos executivos de uma das maiores redes de atacado, eu atendia muito as indústrias e conversava sobre a vontade deles de ter esta aproximação com os comerciantes. Tive também a felicidade de ser convidado para ser professor do MBA da PUC e, para isso, tive que estudar as teorias, os problemas, as soluções. Por muitos anos, diretor e executivo de grandes redes de varejo e atacado, negociando para centenas de lojas de uma central, vi que eu poderia estar criando uma solução que estaria resolvendo os problemas dos varejistas em geral, que é uma conexão direta para os comerciantes, que eu poderia dar a possibilidade de os comerciantes não estarem mais sozinhos se fizesse uma plataforma em que todos os comerciantes e todas as indústrias estivessem ali conectados, fazendo negócio direto com as indústrias e ainda ter a nossa equipe trabalhando com eles, dando suporte, ajudando a negociar igual uma central de uma grande rede. Daí, foi assim que nasceu o Bestlink. Hoje temos negociadores no RS, SC, RJ e PE. Já temos comerciantes de todas as regiões do Brasil comprando direto de fábrica por meio da nossa plataforma.
Com a pandemia, o consumidor também passou a fazer supermercado sem sair de casa. Quais as mudanças e desafios a partir disso?
A transformação está acontecendo em uma velocidade muito difícil de acompanhar, não só por causa da pandemia, mas porque as coisas estão mudando mesmo, a tecnologia, as informações. As gigantes estão perdendo espaço, as pequenas estão surgindo. Os desafios são conseguir acompanhar todas estas mudanças, ter humildade para reconhecer e estar atualizado, reconhecer que as fortalezas podem ter validade, construir pontes e alianças dá mais resultado do que fazer um bom negócio sozinho. As startups são empresas com uma pegada muito bacana que mostram muito da realidade do mercado. Elas são ágeis, flexíveis, fortes, dinâmicas, estão crescendo rápido. Então, para superar este momento e o futuro, tem que estar atento a isso, se perguntar em qual modelo a sua empresa se enquadra, onde quer chegar, e fazer com que as coisas aconteçam. Os muros estão caindo, o virtual está entrando em todas as casas e é só o começo.