A cadeira onde Altamiro Xavier, 58 anos, descansava por alguns momentos de sua longa jornada diária comercializando flores não ficou vazia, mesmo depois que o vendedor de rua morreu vítima de covid-19. Comerciantes de lojas do entorno resolveram prestar uma homenagem colocando uma rosa e uma mensagem agradecendo pelo trabalho que Xavier executou por 27 anos no ponto do bairro São Pelegrino.
“Ele vendeu rosas e fez muitas vidas mais floridas e felizes. Essa rosa é um símbolo da generosidade e gentileza características dele”, diz o bilhete. Segundo Istela Lima, comerciante franqueada da Yang Modeladores, 39 anos, baseada há 17 neste ponto, a iniciativa demonstra a falta que muitos vizinhos e moradores de Caxias que conheciam Altamiro estão sentindo desde a última quinta-feira, quando ele morreu.
— Ele dava mais vida ao bairro e acabava ajudando as lojas. Para nós, ele se oferecia para entregar sacolas de clientes que não podiam entrar na loja. Ele sempre foi uma pessoa muito prestativa — lamenta a comerciante.
Istela conta que chamou a atenção o dia em que ele não apareceu para trabalhar pela primeira vez, porque ele estava presente de segunda a segunda, com sol ou chuva, sem nunca faltar.
— Todos achamos estranho. Na segunda-feira da semana passada, ele saiu sem avisar. Como a gente tinha visto que ele estava gripado, ficamos preocupados. No outro dia, depois que chegou, encontramos ele deitado no banco, adoecido e pedimos para o taxista levá-lo ao postão. Desde então, nunca mais voltou — conta a administradora da Yang.
De “concorrente” a amigo
O comerciante de flores de rua se dava muito bem com a loja vizinha que comercializava arranjos, a Bothanica Etc. Boutique Floral. A designer floral Clarissa Fuchs lembra que quando estava montando a loja, há dois anos e meio, Altamiro estava todo desconfiado, chegava a espiar pelas brechas dos vidros tapados da boutique em construção.
— Aí ele viu que a proposta não era a mesma que a dele e se tranquilizou. Eu disse que estava chegando para a gente se ajudar — relembra Clarissa, que já havia morado em São Pelegrino e conhecia Miro, como costumava chamá-lo.
Quando Clarissa recebia uma encomenda de arranjo de uma flor que não tinha, recorria ao comerciante. Da mesma forma, quando ele vendia mais do que seu pequeno estoque, solicitava apoio da colega.
— Ele era um senhor incansável, ajudava muito. Ele virou mais do que um parceiro, era um amigo. Eu estava com a chave na mão para abrir a porta da loja, e ele já estava lá para ajudar. Ele era personagem do bairro, envolvido com tudo. Ajudava as senhoras do prédio a levar o lixo — recorda com carinho.
Clarissa disse que ele havia adotado como marca a frase “Eu vejo flores em você”, expressão que oferecia a todos que passavam por ele. Pois agora, na rua que tem flores até no nome, mesmo que Altamiro não possa mais ser visto por ali, é como se ainda estivesse presente.
— Eu olho para a esquina e parece que ele ainda está ali — conta a comerciante.