A série As crises que venci traz Gilmar Maffei, superintendente de vendas da Trombini Embalagens SA no Brasil. É uma empresa do Paraná com unidades fabris em Curitiba, Fraiburgo (SC) e tem duas unidades na Serra, em Farroupilha e Canela, desde a década de 1970. O setor de embalagens é um termômetro da economia. Maffei era gerente da fábrica de Farroupilha quando ela foi consumida por um incêndio em 2005. A Trombini perdeu metade da área fabril e todo o estoque de papelão. A superação, até inaugurar a nova planta, só foi possível com entendimento coletivo. E o executivo destaca que isso é fundamental para enfrentar crises como a atual.
Economista com especialização em Administração de Empresas, Maffei observa que, depois da queda de abril e maio, junho já apresenta melhoras expressivas. A queda maior ocorre em setores como automotivo e moveleiro, importantes para a Serra. Ele faz a analogia do momento com o tombo de um prédio de sete andares. Destaca que a queda foi para um terceiro andar, e só não é para o térreo porque o país vivia na pré-pandemia a conjunção de três fatores: juros e inflação baixos, além do crescimento de empregos.
Qual foi a sua primeira crise vivida? Você já estava na Trombini ou foi ainda antes?
Foi um período de crise de 1980 a 1994, período da hiperinflação. Para os mais jovens, que não viveram, chegamos à inflação de 80% ao mês em março de 1990. Lembro a dificuldade para lidar com isso. Na prática, faturávamos, porque somos empresa que vende para outras empresas, para cobrar 30 dias depois. Quando ia cobrar, nunca sabia quanto aquele montante ia valer. Para famílias e funcionários também, porque recebiam só no dia 10 do mês seguinte. Lembro de pessoas com pequeno capital para investir e que se arriscavam nos overnights. Era absurdo. Só foi interrompido em 1º de julho de 1994 com o Plano Real. Foram 14 anos de muito sofrimento e o primeiro teste forte de resiliência.
Quais outras crises afetaram o setor de embalagens e como driblar?
Estou aqui há quase 40 anos na Trombini. Podemos referenciar 1999, quando tivemos a quebradeira no sistema financeiro brasileiro, com vários bancos que quebraram. Em 2008, a crise do subprime, com a bancarrota do sistema financeiro americano. Em 2014, tivemos seguidos PIBs negativos no país. Embora algumas com dificuldades maiores do que outras, fomos adquirindo essa capacidade de resiliência. Todas as vezes que acontecem crises dessa ordem, a primeira alternativa é a gente tentar buscar mercado. Claro que primeiro tentamos proteger o caixa, blindá-lo para ser atingido menos. Mas na área de vendas, onde atuo, às vezes já temos canais de exportação para outros mercados e procuramos acelerar estes eventos. Investimentos em tecnologia para competitividade é uma obrigação. Caso o mercado novo não exista, serve para tomar o mercado do seu concorrente. E a inovação de produtos e processos é uma obrigação na velocidade com que as coisas acontecem. É preciso estar sempre com novidades, produtos novos e serviços mais arrojados.
A Trombini superou um dos maiores incêndios em indústrias da Serra, em 2005. Como foi a retomada?
Essa foi uma crise interna extremamente grave. Perdemos metade da área fabril, todo o estoque, todo um processo que transformava a matéria-prima em papelão. Fizemos uma parada de dois a três dias para se reposicionar. Apesar da gravidade, no quinto dia já estávamos faturando devagar, reiniciando com volumes menores e com apoio de outras unidades que começaram a fabricar nossos produtos. O mercado teve uma dose de paciência. Mas foi um processo traumático, uma experiência inusitada de produzir sem recursos. As coisas só retomaram a normalidade em novembro no ano seguinte quando inaugurou a planta nova. Ficamos uns cinco meses com faturamento na casa de 50%, mas a Trombini já era estruturada e forte.
Muitas empresas estão perdendo 50% do faturamento agora com a pandemia. Como superar uma crise assim?
Na verdade, nós estamos vivendo um grande incêndio. O efeito é praticamente o mesmo. É uma força coletiva. Talvez não com a força e abrangência para todo o mercado, mas é um grande incêndio. Só vamos sair deste momento havendo essa compreensão, essa conexão com o mercado, com o fornecedor, com o cliente, com o banco, com todo esse conjunto para a gente dar a volta, assim como a Trombini no seu contexto conseguiu superar o incêndio. Mas estamos encarando essa crise da pandemia de uma forma completamente diferente das anteriores. Ficamos meio estupefatos em um primeiro momento, gerou um certo imobilismo. A partir daí é que várias medidas foram tomadas. A gente fez uma revisão geral dos nossos processos. Nas vendas, adotamos imediatamente o home office. São mais ou menos uns 70 profissionais. Criamos uma nova metodologia para chegar no cliente. Treinamos equipes no uso das ferramentas que sabíamos que existiam, mas não eram usadas. Não paramos em nenhum momento, até porque nosso maior mercado é o alimentício, setor essencial.
Por trabalhar com embalagens, a Trombini é também um termômetro de vários mercados. Quais estão piores e quais estão em expansão?
Nesse primeiro semestre, no setor de papel ondulado, a expedição de embalagens está 2% maior do que no mesmo período do ano passado. Obviamente, tivemos um pouco menos de expedição em abril e maio, mas junho já retomou o padrão normal. Alguns segmentos sofrem bastante, mas o grande mercado do nosso setor é o essencial, como alimentício, higiene, limpeza e medicamentos. Eles representam quase 60% do total de embalagens no Brasil. Crescem primeiro por fatores internos, mas também em razão da desvalorização da moeda, exportando mais, caso da proteína animal e de bebidas, como vinhos. Já os bens semiduráveis e duráveis estão mais afetados, como o setor moveleiro, automotivo e de mecânica. Mas estamos vendo o segundo semestre com mais otimismo. Ainda teremos um período confuso pela frente, mas o Brasil voltará forte. Isso porque ele vinha em um nível importante de crescimento. Caímos do sétimo andar, mas para o terceiro, não fomos para o térreo e devemos voltar.