A situação caótica em torno dos contêineres da Codeca verificada neste último fim de semana convida a uma série de reflexões sobre o que está acontecendo com a coleta de lixo em Caxias do Sul. E esta análise não passa somente pela companhia responsável pelo recolhimento e pela prefeitura, mas inclui a comunidade como um todo, pois há mais do que um responsável pelas tristes cenas que vimos.
Considero que a instalação da coleta mecanizada foi um avanço civilizatório para a cidade. Ela organizou o processo e deu mais conforto ao cidadão, garantindo que ele, no momento em que fosse mais cômodo, pudesse dispor de um local sempre disponível a receber os resíduos, com recolhimento eficiente e melhora do ambiente urbano.
Creio que a sociedade claramente entendeu essa ação como uma evolução. Como sinal disso, houve muitos pedidos de ampliação do sistema, e os níveis de separação de material seletivo cresceram muito, o que também foi muito bom no aspecto ambiental. No entanto, de uns anos para cá, este processo parece ter se desvirtuado, e o que veio para melhorar a vida das pessoas se tornou fonte de problemas e reclamações. Não há uma causa única, e a análise precisa ser mais ampla.
A Codeca e a prefeitura, sem dúvida, têm sua parcela de culpa. Primeiramente, por não terem feito os investimentos necessários para que tudo continuasse funcionando a contento. A substituição de contêineres danificados não ocorreu no ritmo desejado, e equipamentos básicos, como os caminhões, não foram atualizados. Isso prejudicou o trabalho e impediu que o sistema fosse ampliado. Em entrevista à Gaúcha Serra, o prefeito Adiló Didomenico tratou do tema e culpou a gestão Daniel Guerra pela situação.
— O que acontece é que a Codeca foi entregue com R$ 12 milhões em caixa para o governo (Daniel Guerra) que depois acabou impeachmado, e nos devolveu com R$ 32 milhões de prejuízo. Os caminhões que fazem a coleta hoje são os mesmos que nós adquirimos em 2007. Um caminhão não pode ficar 16, 17 anos trabalhando, o limite máximo dele é 10 anos. Então agora nós aprovamos um financiamento no BRDE de R$ 30 milhões, com aval da prefeitura, para renovar esses equipamentos — ressaltou Adiló.
Já ouvi de membros da atual gestão que, pelo custo, a coleta mecanizada não seria mais viável economicamente para o município. O prefeito Adiló discorda desta visão, mas admite que mudanças terão que ocorrer. Entre elas está uma nova legislação, que prevê alteração no Código de Obras do Município, e que vai impor a novas edificações com mais de 20 matrículas a necessidade de fazer a segregação interna no condomínio, que depois vai ser coletado pela Codeca, com menor uso dos contêineres das ruas. Além disso, o prefeito revelou que, para prédios já existentes, vai ser feita uma negociação com o Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil) e com a sociedade, para que haja adequações e uma separação interna do lixo.
Outra questão evidente é a necessidade de que o recolhimento mecanizado ocorra diariamente. Atualmente, este trabalho não é feito em domingos e feriados, e assim o caos se instalou no feriadão, pois não houve recolhimento nos dias 24 e 25, com exceção de algumas equipes de plantão. Resolver esta questão não depende somente da Codeca, e sim da prefeitura, que contrata o serviço, e que teria que aumentar a remuneração da empresa para bancar os custos deste trabalho extra.
Procurada pela coluna, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) admitiu que esta situação já havia sido apontada em análises técnicas. De acordo com o diretor de Planejamento e Gestão da pasta, Henrique Koch, o novo contrato com a Codeca, que será efetivado no início de 2024, prevê a contratação de serviços adicionais nos sábados, domingos e feriados.
Por mais que a Codeca e a prefeitura tenham falhas históricas e sejam as peças decisivas para melhorar a questão do recolhimento de lixo, não podemos desconhecer o papel que a comunidade precisa desempenhar nesse processo. Aliás, muitos comportamentos das pessoas têm sido cruciais para o aumento dos problemas.
O descarte de material inadequado nos contêineres, por exemplo, é um absurdo. São casos como a que constatei no sábado no bairro Santa Catarina, onde um contêiner amarelo foi tomado por restos de carpete ali depositados por um cidadão, que com sua caminhonete levou um reboque carregado deste resíduo, que não é seletivo. Uma falta de noção e de respeito pelo próximo e pelo meio ambiente, pois este material deveria ter outra destinação.
Em diversos outros pontos da cidade se viu esse tipo de situação nos últimos dias, em uma ânsia das pessoas em se livrarem daquilo que não serve mais para elas, mas sem a mínima preocupação fazer da forma correta. Vale lembrar que o Ecoponto da Codeca está apto a receber este tipo de item e que a própria companhia, gratuitamente e via agendamento, recolhe itens como móveis, evitando que eles parem na rua, e ainda reencaminhando para quem precisa. Nem isso tem sensibilizado os sem noção, o que explica a profusão de sofás, colchões, espelhos e outros itens seguidamente vistos nas calçadas.
E quando se fala da relação da comunidade com o sistema de coleta, temos ainda a questão do fogo nos contêineres seletivos. Só neste feriadão de Natal foram seis, com um total de 131 em 2023, recorde para os últimos anos. Isto representa R$ 260 mil de dinheiro público literalmente queimado, eu uma velha questão que a sociedade e a segurança pública não conseguem resolver.
Por todos os motivos já citados, é hora de parar e questionar: a cidade quer mesmo a coleta mecanizada? Se quer, a população vai se comprometer com um descarte mais responsável? E as autoridades estão dispostas a fazer os investimentos necessários e tomar medidas efetivas, que saiam do discurso e se materializem na prática, para melhorar o serviço prestado? Chegou a hora de fazer este debate.