Hoje é terça, amanhã é quarta e já estamos na metade do ano. As horas empurram os dias para frente. O tempo passa numa velocidade severa, principalmente depois dos 40. O corpo muda, o cabelo muda, a paciência muda. Nós mudamos. Não tem como negar, basta acessar as fotos de alguns anos atrás e você irá perceber quanta coisa em tão pouco tempo, mudou. A mudança é vertiginosa e quanto mais velho você for, mais a percepção da mudança será visível. Tem algo de implacável nisso de nos darmos conta de que o tempo passa. É possível uma série de artimanhas para tentar viver de modo mais confortável com essa constatação. Cada um a seu modo, se reinventa. Mas uma das coisas que mais causa angústia é se dar conta de que, talvez, em algum momento, chegamos num determinado ponto de vida em que questionamos se realmente fizemos as escolhas corretas. É como se depois de andar muito chegássemos num lugar em que podemos nos sentar e olhar o caminho já percorrido. Passar dos 40 é se dar conta de que metade da estadia por aqui já foi vivida. E agora?
Somos temperados pelo fogo da vida. Por isso, toda vez que decidimos seguir adiante, seguimos de onde chegamos. Mas às vezes chegamos em encruzilhadas. E toda bifurcação é tempestuosa. É muito difícil olhar de frente o fim de um amor, o encerramento de um tempo de trabalho, o desfecho de uma amizade de anos. E mais difícil ainda quando nos damos conta de que cansamos de viver do modo como vivemos. É quando o trabalho não dá mais alegrias, o amor desapareceu completamente, as conversas, os encontros, a estadia numa cidade, não correspondem mais àquilo que um dia foi. Essa constatação de que “acabou” não é rara. A maioria de nós já sentiu ou vai sentir um dia. Raro é conseguirmos olhar para isso e aceitar o fim das coisas.
É preciso, também, aceitar que por um tempo vamos ficar com a impressão de que estamos perdidos. Desorientados. Engraçado isso, porque ao mesmo tempo que sabemos o que não queremos mais, não conseguimos entender o que queremos. Um paradoxo. No entanto, precisamos lembrar que cada um de nós está no centro do seu próprio mundo. (Re)centrar-se é fundamental.
Daí colocamos em cheque a ideia equivocada que temos sobre identidade. Uma falsa ideia de que se modificarmos perderemos a noção de quem somos, como se a identidade fosse algo fixo. Como se fôssemos seres fixados num determinado ponto. Tem pessoas que têm a síndrome de Gabriela, me referindo aqui a Jorge Amado, “eu nasci assim, eu cresci assim...” como se mudar fosse algo impossível. No entanto, ao longo da vida, assim como nosso corpo muda e aos 40 somos completamente diferentes de quando tínhamos 20, nosso modo de ser e estar neste mundo, também muda. Estranho seria se fôssemos os mesmos a vida toda.
Compreender que a angústia proveniente desse conflito fala mais da nossa autoimportância do que do desejo de realmente ser feliz, é um bom modo de reiniciarmos a jornada. Afinal, a vida é e sempre será o que dela fizermos.