Faça amizade com a mudança. Nada na vida é permanente, muito menos nós. Tempos atrás uma paciente me disse que havia iniciado um processo de remendar roupas velhas. Comprava em brechós e as remendava em casa, depois as doava novamente. Curava as roupas para vestir novos corpos. Um processo de ressignificar as histórias daqueles fios que compunham a trama da peça. A escutava e pensava, sim. É preciso manter o que era possível, refazer na medida do necessário e colocar fios novos quando preciso. Emocionei-me. Eis o permanente ciclo de começo e fim, vida e morte e renascimento. De certo modo somos roupas que vão envelhecendo, esgarçando, rasgando, precisando de remendos ou fios novos para durar o tempo que estamos destinados a durar. O depois pertence ao depois. Por isso, precisamos fazer as pazes com as mudanças hoje. Lembrei de Simone Weil e uma frase que me chega de lembrança, pois existe sempre um prazer em ser quem se é e uma dor infernal, um prazer e uma dor curativa, um prazer e uma dor celeste, e somente nós podemos viver e sentir isso. Cada um a sua maneira. Uns aceitando a mudança. Outros negando. Mas conscientes de que a mudança independe de nossa vontade.
Nossas histórias não são lineares. Digo isso, porque escuto histórias de pessoas de idades diferentes que revelam um conhecimento de si que parece brotar de uma mesma angústia. Essa angústia que revela as muitas dimensões do sofrimento e da fragilidade humana. Mas não é um conhecimento adquirido por meio de um processo pedagógico, mas sim por reconhecer-se pessoa, ser humano lançado à existência na busca de condições que possibilitem seu acolhimento e estadia neste mundo, mesmo que precário e tão apartado dos outros.
Há em cada um de nós uma solidão essencial, oriunda de uma raiz que jamais conseguimos acessar completamente. Dar-se conta desse estado é o ponto de partida para acontecermos no mundo. É a partir desse reconhecimento que visualizamos o horizonte de quem somos. O horizonte de nossa existência. É nesse lugar que aprendemos a respeitar a fronteira das possibilidades que temos para ser e estar neste mundo. Esse entendimento nos dá a dimensão do nosso próprio tamanho.
Vivemos na fragilidade do entre. Vivemos entre o dito e o impossível de ser dito, entre o que mostramos e o que ocultamos de nós mesmos, entre o singular e a multiplicidade, entre o encontro e a solidão, entre o que vemos e o que não queremos ver, entre a finitude da vida e o infinito do universo, entre viver e morrer.
A vida é viva. Muda a todo instante. Por isso é preciso viver para um dia morrer. Um dia nos damos conta de que também somos andarilhos sem sombra. E por mais assustador que isso possa parecer, a condição humana acontece justamente no enigma, no indizível , no mistério. Por isso a sensação de que somos estranhos para nós mesmos. Não somos como pensamos, como nos imaginamos, somos apenas quem podemos ser. Já dizia Fernando Pessoa, há mais eus do que eu mesmo, existo todavia.