Amanhã é dia de todas nós, cis e trans. Mulheres jovens e velhas. De todas as cores, corpos e histórias. Penso nas minhas avós, uma teve dez filhos, a outra 16. Nenhuma das duas estudou. As duas trabalhavam muito. Se dividiam entre plantar batatas, uva, fazer queijo e parir. As duas apanhavam dos maridos. Uma usava a voz para cantar. A outra, enlouqueceu. Uma tinha os olhos azuis, a outra, verdes. As duas tinham cabelo encaracolado e loiro. Uma levou um tiro, a outra foi internada num sanatório. A história de cada uma delas não é muito diferente da história da sua avó. Provavelmente suas avós também devem ter enfrentado situações dolorosas e, na maioria das vezes, sozinhas. Longe dos pais e sem tempo para fazer amizades, a história das mulheres que pariram nossas mães é recheada de silêncios e fé, talvez única sustentação diante das dores enfrentadas, mas também é feita de apagamento. Ninguém quer relembrar uma história que tenha sido maculada pela violência doméstica. É mais fácil fazer de conta que isso só acontece em outras famílias.
Penso em como a sociedade que habitamos cria gendramentos de gênero. Minhas avós aprenderam desde criança que não tinham força o suficiente, o que é uma grande mentira. Acordavam antes do marido e dos filhos, faziam o fogo, tiravam leite, preparavam o café e o lanche para ser levado para a roça, acordavam todo mundo quando tudo já estava pronto, trabalhavam até o cair do dia. Voltavam para casa, organizavam tudo. Eram as últimas a jantar, se sobrasse algo, por que o melhor pedaço de carne era do meu avô. Eram as últimas a se deitar e durante à noite precisavam estar dispostas a relação sexual, senão apanhavam. Era um filho atrás do outro.
Cresceram ouvindo que tudo era perigoso, o que talvez as tenha impedido de ter outros sonhos, sendo submetidas a única possibilidade para elas naquela época, casar, ter filhos e ser obediente ao marido. Desde muito cedo aprenderam que seus corpos era objetos. Corpos que eram usados para ampliar os recursos da família mas também para serem usados e abusados. Aprenderam que se não tivessem um homem ao seu lado, estariam sozinhas. A tal sociedade que dita comportamentos até hoje, construiu a ideia de que era muito pior para a mulher envelhecer e ficar solteira do que para o homem. Pior ainda era ser mãe solteira. Isso é tão antigo e tão atual ao mesmo tempo. A rede social está cheia de homens que se acham no direito de dizer qual mulher presta ou não. Isso porque desde o tempo de nossas avós, bisavós, trisavós, ancestrais, somos subjetivadas a partir do olhar do masculino.
Por isso, 8 de março é um dia de reflexão, não de ganhar flores. E nós, todas e todos que se sentem tocados pela nossa luta, precisamos criar coragem para acessar as memórias das que vieram antes de nós. Quase como um dever de lembrar de quem foram elas, para que possamos avançar. Os dados de violência contra a mulher continuam sendo assustadores, mas a diferença é que somos muitas e a cada dia unimos mais as nossas vozes num grande e único grito, pelo fim desse modelo arcaico do patriarcado.