O que é silenciado e caminha para um suposto esquecido, adoece. Quantas vezes diante do absurdo, silenciamos. Talvez porque nos faltem palavras, pois nem sempre as palavras dão conta do que sentimos. Talvez porque imaginemos que ao não dizer nada, o tudo do ocorrido, desaparece. Ouço as pessoas me dizerem que estão cansadas de ler notícias ruins, por isso, preferem afastar-se do mundo real. No entanto, já sabemos de experiência de vida que isso pouco ajuda. Há algo que sempre permanece na crosta da consciência. Algo que com o tempo pode parecer ter desaparecido, mas a angústia, o desconforto, nos incomoda como aquele espinho que não conseguimos tirar, e que dói quando esquecemos e batemos o dedo. Dói para nos lembrar do fato de que ele continua existindo. A dor seria então uma espécie de consciência de que estamos vivos, de que somos vivos. Somos humanos. Não somente a minha dor como a mais importante, mas a dor, enquanto e também, dor do outro. Mas para isso é preciso que resgatemos outra palavra fundamental no vocabulário de quem deseja ser uma pessoa melhor.
Alteridade é a capacidade que temos de enxergar o outro como sendo outra pessoa e não coisa, não objeto para ser usado, explorado, escravizado. É a capacidade de sobreviver e conter-se diante das diferenças, sem eliminá-las. Winnicott, psicanalista inglês, diria, é a capacidade de nos tornarmos Pessoa, assim, com P maiúsculo. Somente ao sermos Pessoa é que conseguimos nos chocar diante das atrocidades que ocorrem na sociedade em que vivemos, que se esconde atrás de uma máscara de civilidade.
Em 2022, o relatório feito pela Organização Internacional do Trabalho, Walk Free e a Organização Internacional para as migrações registraram a estimativa de que mais de 50 milhões de pessoas no mundo são vítimas de escravidão moderna. Trabalho escravo é a antítese do desenvolvimento sustentável. É uma situação criada pelo homem, que nos remete à escravidão histórica, mas também expõe a desigualdade estrutural que se mantém e se mantém e se mantém. E mesmo assim, há os que encontram justificativas xenofóbicas, medíocres e preconceituosas para tentar explicar o inexplicável. Talvez a outra palavra que pudéssemos introduzir no nosso parco vocabulário de seres humanos é ética.
Leio Bergson, “o que o homem, abandonando sua condição animal, mudou sobre a terra?” Se a cultura e a memória passa pelos corpos daqueles que perderam o direito a serem chamados de Pessoas, quem são os outros, esses que podemos ser muitos de nós, que no embrutecimento do ser, embotamos os afetos e coisificamos tudo. É uma droga se dar conta de que o passado nunca é senão um antigo presente.
Se calar é adoecer, não ao silêncio. Palavras não são objetos, mas se forem, que sejam gritantes.