A flor de maio está se preparando para desabrochar. Comprei uma muda ano passado, minúscula, plantei, reguei, ela cresceu e pela primeira vez, depois de um ano inteiro, se prepara para abrir suas flores. Confesso que todos os dias pela manhã, antes do café, vou dar uma olhada para ver como ela está. Uma mistura de expectativa e surpresa me carregam ao seu encontro. Fico pensando, ao observá-la, na obscuridade do ser humano, na degradação, na corrupção, na falta de empatia e compaixão das pessoas e enquanto isso, a flor de maio se entrega ao mundo, de um modo tranquilo e sem fazer a mínima ideia do quanto sofremos. Ao mesmo tempo que a dor e a frustração se instalam em mim, ela cintila no sol de outono.
Sobre nós um céu ácido, cobranças, desilusões e um fio de esperança, embora não se saiba bem no que. Nossos dias são tratorados, literalmente. O relógio que trabalha no vazio, não mede nossa indignação. Sobre a mesa, as laranjas descansam em seu dourado sossego. Todos os dias que saio para ver a flor de maio, entro de volta em casa sentindo o comum de todos os dias. O mesmo do muito que atravessa os séculos, talvez desde que a corrupção na política tenha sido criada. As ruas cheias de pessoas que vem e vão, as lojas e seus objetos à venda, os bancos com filas, pessoas nas esquinas, uns fumam, uns sem máscara, uns rápidos, uns lentos, uns sem ter para onde ir, gente, gente, gente e me pego pensando se esses todos pensam também? Estamos pelas ruas há muito tempo, nunca paramos de circular. Circulamos por esta avenida de miséria eterna, e como diz Ferreira Gullar, “a grama cresce na ausência dos homens”. Estamos circulando, mas estamos sem alma, sem ideia, sem objeto de desejo. Parecemos zumbis. Dizem façam isso, e fazemos. Não questionamos, nem mesmo nos importamos com o que nos dizem. Nós, a massa. A massa como as pêras, apodrecem sobre a mesa. O semáforo devora nosso tempo de vida. O sinal segue vermelho, mas já poderia ter virado para o verde. Mas temos medo. Medo que a flor de maio não desabroche. Medo das balas perdidas, medo do que os outros vão dizer. Tenho medo de ser Ismênia. O mundo está farto delas.
Somos os ossos do mundo, mas estamos quebrados. Mal conseguimos segurar uma bandeira. Nossos pés não sabem mais do caminho e a inconsistência fede. É por causa da mesmice das águas. É por causa do lodo social que habitamos. A lama anda grudada em nossa pele. E o futuro?
Mantenho o corpo em pé ao lado da flor de maio, mantemos, um corpo desamparado a espera de uma janela que se abra. O outono segue incendiando as árvores e fico pensando quando nós também seremos, quando seremos rompidos pela espera mansa que abraça os ignorantes e marcharemos invocando a revolução das flores de maio?