Quando atendeu a equipe do Pioneiro, por volta das 10h30min desta sexta, Adriana Antunes havia recém encerrado uma reunião de despedida com cerca de 200 pessoas da equipe, na Biblioteca Parque Largo da Estação, em São Pelegrino. O encontro serviu para ela anunciar oficialmente sua exoneração do cargo de secretária. O pedido foi feito ao prefeito Daniel Guerra (PRB) na tarde de quinta e, nesta sexta, Adriana já não ocupa mais o posto. Quem assumiu o lugar dela interinamente foi Joelmir da Silva Neto.
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Na entrevista concedida ao Pioneiro, a jornalista e escritora fala mais sobre as motivações que culminaram em sua saída do comando da pasta e faz um balanço sobre sua atuação em 11 meses à frente da Secretaria da Cultura. Confira:
Pioneiro: Quais questões pesaram mais para você tomar esta decisão?
Adriana Antunes: Essa não foi uma decisão tomada do dia para a noite. Ela foi se construindo nos últimos 11 meses e eu fui ponderando muitíssimas coisas. A questão do cenário econômico em que a gente está, eu sabia que seria um cenário difícil, sem dúvida nenhuma, mas mesmo assim era um momento também de crescimento, aprendizagem, então eu topei muito por conta disso tudo. Até porque que já estava numa etapa da minha carreira de aceitar desafios maiores. Bom, mas eu fui me dando conta... São muitas coisas, não é uma coisa assim pontual, não posso dizer foi por causa disso ou daquilo. Muitas coisas foram acontecendo, acho que sou uma pessoa ponderada e de bom senso, e eu passei a também pesar com relação a mim mesma e ver "como que eu estou lidando com essas coisas todas?". Fui descobrindo muitas coisas, principalmente dentro desse contexto que a gente vive, como a gente também vive numa sociedade muito imediatista, sempre se quer muitas respostas e tudo muito rápido. Eu fui medindo isso comigo, fui pesando isso para mim, sabe? Como a gente faz para lidar de uma forma macia com assuntos tão duros? Ao longo desse tempo fui percebendo que fui ficando mais árida, o serviço público é pesado, é burocrático. Aí, enfim, foi uma soma de fatores principalmente que dizem respeito a questões pessoais que me fizeram tomar a decisão e entregar minha carta de exoneração, o que fiz ontem (quinta-feira, dia 9), com um agradecimento. E realmente agradeço pela oportunidade que tive, porque aprendi demais, mas eu tenho dito sempre que descobri aquilo que o Manoel de Barros fala: que a gente descobre quem a gente é mais por aquilo que a gente não gosta do que por aquilo que a gente gosta. E eu descobri que não gosto de algumas coisas, então... decidi focar em mim, voltar para mim, para minha trajetória pessoal, tenho outros planos para minha própria vida, entreguei minha carta, fiz meu agradecimento, fui super bem recebida. O prefeito disse "não é possível", e eu disse "é sim". Esse é um momento que eu já estava costurando há muito tempo.
Pioneiro: Você sai a partir de segunda-feira?
Entreguei ontem, mas minha carta de exoneração é para hoje (sexta-ferira). Hoje já estou fora, você já não pode mais me creditar como secretária.
Há rumores de que a Secretaria da Cultura estaria na corda bamba, de que o prefeito teria planos de unir com outra secretaria, diminuir cargos, enfim, você tem algo a dizer sobre isso?
Olha, eu vou te dizer que isso não me pertence mais.
Os cortes no Financiarte também?
Não, são perguntas que você terá que fazer para quem entrar.
Mas posso dizer que todas essas questões pesaram na tua decisão?
Muitas coisas. Tem essas questões internas, que são bem de sistema e acho que pesam sim, são discussões que têm que ser feitas, todo mundo sabe que na verdade sempre tiveram prioridades (na administração), e eu sempre tenho dito, acho que se tu faz um trabalho íntegro, honesto e tem um foco, não tem problema nenhum. E eu reconheço isso no prefeito e respeito, disse isso muito para ele. É uma diretriz de governo que se tem. Mas, para mim, a cultura é muito vida. Porque eu trabalho com arte, eu trabalho com subjetivo, então é realmente uma questão muito pessoal, assim de olhar para dentro num processo bem de espelhamento e de descobrir internamente. Eu disse isso para ele: "essa não é minha casa, essa não é minha casa."
Se ferir a cultura, fere diretamente a ti?
Fere a mim.
Neste período em que foste secretária, quais foram as ações que mais te orgulharam, do que tu conseguiste construir? Ou talvez só manter algumas coisas já tenha sido uma vitória?
É, isso muito. A questão de ter feito a Feira do Livro foi uma coisa muito feliz para mim. Por todos os problemas que se teve antes, que se teve durante, poder fazer uma conversa com os livreiros, que fiz desde o início e tenho certeza absoluta que se você perguntar para eles só terão coisas boas para falar a meu respeito, é isso que eu levo... Então, assim, eu sou muito apaixonada por isso, ter conseguido fazer a Feira do Livro (suspira), foram 17 dias com 16 abaixo de chuva, sabe o que é isso? (risos) Me deixou muito feliz ter conseguido fechar a (Rua Dr.) Montaury, ela nunca foi fechada antes nas outras feiras, acho que tem possibilidade de crescimento muito maior nos próximos anos, fizemos o envolvimento ali de Casa da Cultura, de biblioteca, de museu, foi muito legal. Isso é um legado que levo para mim... Ah, o início da ocupação da Maesa, quer queira, quer não queira, nos autos vai constar que naquele momento a secretária era eu e me sinto muito orgulhosa de dizer que fiz. Claro que não sozinha, tive muito apoio interno da própria prefeitura, tive muito apoio da Secretaria de Recursos Humanos, a gente fez todo um trabalho e conseguiu dar o início na ocupação da Maesa. E assim, daqui alguns anos, poder imaginar que aquilo vai ser um grande centro cultural e que vai estar aqui em Caxias do Sul, é algo que me faz dormir de forma muito mais tranquila, por uma questão muito pessoal, de crença mesmo. Levo isso de legado, e também levo o legado de ter conhecido pessoas maravilhosas. Aquilo que se fala de que o sistema público tem pessoas que não querem trabalhar, que não querem fazer, isso é mentira. Claro que, como em todos os lugares tem gente que quer e gente que não quer, mas o interno assim da Secretaria da Cultura é uma galera aguerrida, uma gente envolvida, faziam um monte de cálculos, pensavam junto para a gente esticar nosso orçamento. Teve um envolvimento de equipe muito grande. Fico muito feliz porque hoje de manhã a gente fez a despedida, aqui (Biblioteca Parque) estava tomado, tinha umas 200 pessoas. Eu fiz a fala de despedida e o fato de eles terem me aplaudido de pé foi algo que eu não imaginava, são legados que a gente leva que não se mensuram com dinheiro, levo esse legado muito grande assim desse envolvimento, dessa participação e desse reconhecimento. Também levo outro legado maravilhoso porque o meu processo de gestão foi alargado assim de modo imenso. Eu ganhei uma experiência como em nenhum outro lugar, um espaço desse tamanho como é a secretaria, lidando com tantas instâncias, com tantos movimentos de todas as formas, me deu uma capacidade de conhecimento, de compreensão e de gestão assim muito grande. Ontem, quando falei com o prefeito, agradeci muito por isso, porque esse é o tipo de aprendizado que realmente é para aqueles que são escolhidos e que a gente leva para o resto da vida.
De legados mais difíceis, vou te dizer assim que ó, uma certa frustração com relação à sociedade em que a gente vive. Falo no geral, percebi que aquilo que eu sempre lia nos livros, que vivemos numa sociedade imediatista e intolerante, existe. Percebi isso na prática. Percebi que existem muitas pessoas, e falo especialmente em questão de cultura porque foi onde estive, existem aquelas que querem fazer e não sabem como; aquelas que querem fazer e não fazem, aquelas que fazem por interesse e aquelas que batem porque realmente não querem que nada aconteça. Percebi assim, é um legado muito de ser humano, as pessoas cobravam muitas respostas imediatas... Por exemplo, a questão do bailarino (Igor Medina, cuja performance foi confundida com um surto psicótico)... se discutiu muito, eu não tenho redes sociais, observei as discussões através da Bá (Bárbara Decimo, assessora) e fiquei bastante triste porque, independente de se descobrir de quem foi a culpa.. Teve equívocos? Sim, teve, porque aconteceu o que aconteceu. Mas a discussão é maior do que isso, a discussão é "será que a Cia de Dança, com todos os anos que ela tem, conseguiu ter algum tipo de inserção na comunidade?", "será que a comunidade está preparada para receber esse tipo de performance que a gente propôs?", "que resultado a gente tem dessa sociedade que é intolerante, que não conhece, não sabe como funciona e por que se reflete em doença mental?". Eu te dizer foi A ou foi B que foi o culpado, é uma visão muito superficial do processo de cultura, é preciso fazer um afastamento e compreender, olha só a situação que a gente está enfrentando, o que isso está querendo dizer, que signo envelopado é esse que se deu nesse contexto e que abre para uma reflexão que acho que é muito mais importante, e muita mais difícil de ser feita, e mais real inclusive. Então, essas coisas todas que eu fui vivenciando, que fui percebendo, foram situações que foram me mostrando até quanto meu elástico interno aguenta. Eu dei o que eu podia dar e a partir daqui vou dar de outro jeito.
Tem algo que gostaria de ter feito diferente ou que te arrependas?
Eu entrei muito focada na questão da cultura. Quando digo cultura falo da questão bem de gestão, acho que muitas coisas precisavam de uma ordenação interna. A casa toda precisava de reestrutura sim. Eu saio com prestações de conta de Feira do Livro que estavam sem ser feitas desde 2013 ou 2014. Só estou te dando um exemplo, existiam outras questões internas que precisavam realmente ser reestruturadas e organizadas. Não me arrependo de ter mexido no que mexi, até aqui não me arrependo das coisas que eu fiz. Queria ter tido a oportunidade de poder ter feito mais trabalhos de fomento, principalmente, mas aí dependia de uma questão econômica. Acho que precisaria se discutir mais, as pessoas confundem ainda com evento/entretenimento, não é só isso. Como a gente trabalha com a questão subjetiva, tem aquela interface. A Secretaria da Cultura tem uma interface que é educativa, outra que bate no social, outra vai bater na questão da saúde, mas ela é... se tu fizer três círculos, ela estará aqui no meio. Para dar um exemplo muito pequeno e simples: se você olhar para a sinaleira, as pessoas educadas sabem que o sinal vermelho é para parar, o amarelo é para ter atenção e o verde é para passar; as pessoas são educadas para isso, mas por que sabendo que o sinal está vermelho as pessoas atravessam? Isso é cultura. É nesse interim que a gente trabalha, por isso que ele descola da realidade que a gente tem, a realidade mais educativa. Trabalhar nesse interim é um trabalho que exige muito. Eu agradeço muito a equipe que esteve comigo o tempo inteiro nesse processo, mas ele é difícil. Acho que trabalhar na cultura sempre foi difícil, não foi só para mim agora. Ela é difícil de trabalhar internamente e externamente, as pessoas questionam, é difícil, eu precisaria de mais tempo. Eu não tenho como falar de cultura dizendo que dois mais dois são quatro.
Tu és artista, respeitada no meio cultural, como lidaste com as críticas e pressões que vieram desse mesmo público? Te desgastaste muito?
Isso para mim também foi um aprendizado. Eu saio aprendendo muitas coisas. Vou te dizer que a comunidade artística, a que faz arte, a que trabalha com cultura e que realmente tem esse envolvimento, sempre me recebeu bem... meu Whats ontem e durante todo esse período que fiquei na secretaria, sempre tive muito apoio, muita palavra não só de carinho, mas de incentivo e de cultura. Meus embates maiores foram com o conselho (Municipal de Política Cultural) e com alguns produtores culturais, sem generalizar. Acho que a comunidade em geral precisa aprender a ter autonomia inclusive para fazer os seus próprios projetos. O artista precisa ter coragem de perceber que ele também pode trabalhar, não tô generalizando, mas tô dizendo que tive um embate sim muito grande com o Conselho de Cultura e eu levo um conhecimento muito grande de perceber o quanto as pessoas se deixam levar por interesses. É bom porque a gente aprende muito a conhecer o que as pessoas querem, eu conheço todas essas pessoas, venho dessa área, conheço todos os artistas, quem trabalha com isso. Mas estar aqui numa posição de vitrine também tem o bônus de saber o que cada um está realmente querendo. Quando se usa o nome da arte ou o nome da cultura para outras coisas... fico feliz porque saio sabendo quem é cada um.
Deixaste algum nome indicado para assumir o teu cargo?
Não deixei.
Quais são teus planos agora?
Vou tirar férias e vou focar mais. Quando assumi a secretaria eu tinha outros projetos que estanquei, até por uma questão de ética. Tem coisas que acho que não se misturam e dei um tempo, quis me dedicar só a isso (secretaria). Bom, agora retomo esses projetos todos, acho que 2018 vai ser um ano bem legal.
Que qualidades a pessoa que assumir a Secretaria da Cultura precisa ter?
Que ela seja apaixonada por arte e cultura, talvez um pouco como eu fui, e tomara que se consiga fazer mais do que eu. Se a pessoa que entrar fizer e desenvolver, fico feliz, porque não tenho vaidade, meus interesses são muito em prol desse coletivo, dessa arte e dessa cultura dessa cidade. Tomara que quem entre faça e faça muitíssimo mais.