Cortei o cabelo e decidi assumir os brancos. Isso poderia ser o título desta crônica, mas optei por ser a frase inicial, até por que essa decisão causou um rebuliço na minha vida, ou melhor, na vida das pessoas próximas a mim. Ouvi opiniões de todos os tipos, argumentações, reclamações, elogios, ponderações. Espantei-me com o espanto das pessoas. É, mudei. Talvez, se tivesse feito de modo mais lento, dando tempo de todos se acostumarem, o impacto tivesse sido menor. Enquanto cortava os cabelos e me preparava para todo o processo de mudança de imagem, refletia sobre o quanto nossos fios carregam de história. Foram cinco horas de salão e antes que você pense que este texto é meio fútil porque fala de cabelos, calma, vamos falar sobre identidade, aceitação e envelhecimento.
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Os cabelos brancos femininos são renegados em nossa sociedade atual. Ter cabelo branco, para muitos, é sinônimo de desleixo, falta de cuidado e revela que a idade avançou e já não somos mais tão jovens. Assumir o próprio grisalho exige autoestima e segurança, porque as pessoas, em geral, talvez por não estarem acostumadas a tal ousadia, criticam de modo bastante maldoso, principalmente as próprias mulheres. A maioria de nós, que está na casa dos 40, se mantém na luta quinzenal de encobrir os brancos, fingindo para o mundo, e também para si mesma, que essa realidade ainda não nos alcançou. Quando decidi assumir os brancos, e há tempos vinha pensando nisso, sabia que enfrentaria uma artilharia pesada. Mentira, não imaginei que fosse tanto. É claro que fico pensando por que os brancos nos homens são charme e em nós é feio. Ok, a pergunta já é quase clichê, mas ainda está valendo, afinal, na prática ela ainda é realidade.
Sim, assumir os brancos é assumir a idade, a própria identidade e mostrar que se envelheceu, o que para nossa sociedade é muito delicado. Vivemos uma cultura que valoriza demais a juventude e esconder a idade é algo que todo mundo, em algum momento já fez. Por isso, assumir os cabelos brancos é assumir quem somos, abrindo mão desta pequena máscara de adequação social. Não é fácil assumir-se por inteiro, até por que não é fácil gostar integralmente de nós mesmos. Olhar-se a olho nu e gostar do que se vê exige autoconhecimento. Por isso, antes de assumir quem você é, é preciso saber quem você é. Isso também é aceitação. Se mudar o externo não é tão fácil quanto se imagina, pensa na mudança do interno. O que talvez tenhamos de aprender é saber aceitar-se sem tantos julgamentos.