Drogas, armas brancas, aparelhos celulares, eletrodomésticos, bebidas alcoólicas e até mesmo doces. Todos esses itens já sobrevoaram os cerca de cinco metros de altura do muro do Presídio Regional de Passo Fundo, no bairro São Luiz Gonzaga, em Passo Fundo.
A prática ilegal do arremesso de materiais, antiga na cidade do norte do Estado, é a ligação entre os cerca de 680 apenados e a comunidade. O processo é rápido: as pessoas carregam os materiais em mochilas ou sacolas e atiram para cima. Em alguns casos, os itens ficam presos nas grades de proteção; em outros, caem direto no pátio.
Em três guaritas — uma da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e duas da Brigada Militar —, a vigilância monitora a movimentação do presídio tanto de forma interna quanto externa, sobretudo na Rua Ana Neri, onde fica o principal ponto de arremesso de itens para a casa prisional. Além disso, câmeras de videomonitoramento costeiam toda a estrutura, monitorada 24 horas.
Em ações conjuntas do 3º Regimento de Polícia Montada (RPMon) da Brigada Militar, do 3º Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) e da Susepe, foram registradas 120 ocorrências de janeiro a agosto deste ano por arremesso para dentro do presídio. Dessas, 76 ocorrências foram flagrantes por tráfico de drogas e outras 44 de apreensão de objetos, como itens de alimentação.
— É uma maneira que os presos ou as pessoas ligadas aos presos encontram de enviar coisas ilícitas ou não ilícitas para dentro do presídio. Alimentação, por exemplo, pode entrar, mas tem regras de quantidade, de procedimento. Esse tipo de situação acontece pela ligação das pessoas com os presos — aponta o comandante do 3º RPMon, tenente coronel Marco Antônio dos Santos Morais.
Da sede do 3º RPMon, no bairro São Cristóvão, as câmeras de videomonitoramento mostram a movimentação da área externa ao presídio. É dali, também, que o serviço 190 atende as ligações de denúncias sobre arremessos ou tentativas no local. Neste ano, das 120 ocorrências registradas, 13 surgiram de ligações via 190.
— A partir das denúncias, as nossas guarnições se deslocam para lá para averiguação, ver se ainda conseguem prender quem fez isso. Após abordagem, verifica-se o que foi arremessado, para saber qual procedimento deve ser tomado — explica Morais.
O que é crime e o que não é
O comandante do 3º RPMon, Marco Antônio dos Santos Morais, explica que trata-se de crime quando o suspeito arremessa droga, configurado como tráfico de drogas. No caso de aparelhos celulares, também é realizada a prisão, por se tratar de um instrumento de comunicação, que é proibido.
— Nesses casos, a pessoa é presa e apresentada na delegacia de polícia, porque ela fez o arremesso ou estava prestes a fazer — afirma.
Em outro cenário, quando trata-se de itens de alimentação, a polícia realiza um termo de apreensão, porque é proibida a entrada desse material no presídio. No entanto, isso não se constitui um crime.
As consequências no presídio
Do outro lado do muro, os apenados estão "preparados" para receber os itens, conforme explica a delegada da 4ª Delegacia Penitenciária Regional, Manuela Lemos.
A ação de arremessar os objetos para o pátio e os apenados pegarem é muito rápida, conforme a delegada. Para isso, na maioria das vezes, os presos aproveitam o horário de banho de sol, quando estão no pátio.
— O presídio é muito próximo da rua, da comunidade. Quando cai no pátio e eles estão em horário de banho, o material desaparece rápido, porque as janelas têm saída para o pátio. E dentro das celas, eles fazem buracos e as tornam interligadas, podendo passar os objetos — explica a delegada.
Outra tática utilizada pelos presos é a pescaria. Segundo a delegada Manuela, os apenados utilizam cabos de vassoura e produzem cordas com sacolas plásticas, além de utilizar ferros do concreto das camas das celas para fazer numa espécie de "anzol". Desta forma, "pescam" os materiais do pátio pela janela.
— A corda é resistente, fica tipo uma linha de pesca. Então, caiu o arremesso, eles já estão esperando e pescam. É como se fosse uma pescaria mesmo, são muito ágeis — declara.
A entrada dos materiais por meio dos arremessos gera problemas para a casa prisional. Segundo a delegada, o descontrole de materiais, sobretudo eletrônicos, acaba sobrecarregando a rede elétrica, que é considerada antiga e é utilizada por meio de "gambiarras" dos apenados com a fiação da luz da cela e do chuveiro elétrico.
— É um presídio antigo, com sistema antigo de energia elétrica, com uma sobrecarga enorme pela entrada desses eletrodomésticos, o que causa curtos circuitos. A nossa estrutura não permite esse excesso de eletrônicos. Eles (presos) fazem extensões, é cheio de fio. É um grande problema — pontua.
A nossa principal questão é eles arquitetarem crimes ali dentro, isso não podemos permitir. Fazemos um trabalho em que buscamos que a pessoa crie uma certa responsabilidade e saia melhor do que entrou
MANUELA LEMOS
Delegada da 4ª Delegacia Penitenciária Regional
O outro problema é a questão da comunicação por meio dos aparelhos celulares. Dentro do presídio, segundo Manuela, estão pessoas que são mandantes de crimes e que coordenam organizações criminosas. Por isso, a entrada de celulares nas celas se torna um problema ainda maior no combate à criminalidade.
— A nossa principal questão é eles arquitetarem crimes ali dentro, isso não podemos permitir. Fazemos um trabalho em que buscamos que a pessoa crie uma certa responsabilidade e saia melhor do que entrou. A gente sabe que, pelo déficit de vagas e pela superlotação carcerária, isso dificulta nosso trabalho, mas não podemos esquecer que o nosso objetivo é a ressocialização — enfatiza a delegada.
As ações e o projeto de telamento
Neste ano, duas operações foram realizadas desde abril, quando a delegada Manuela Lemos assumiu o posto na delegacia penitenciária da região.
O objetivo foi apreender e fazer uma "limpa" nas celas, com apreensão de objetos e materiais arremessados para dentro do presídio. O montante de apreensões não foi divulgado pela Susepe.
Como foco para a diminuição de arremessos e uma alternativa para o futuro, a delegada Manuela vislumbra a possibilidade de ter telas de proteção que impeçam a entrada dos materiais ao pátio da penitenciária. Em paralelo a essa demanda, a delegada também aguarda as reformas previstas para o presídio.
Ainda em estágio inicial, a ideia precisa se transformar em projeto. Segundo a delegada, apenas o telamento custaria em torno de R$ 600 mil.
— A ideia existe. É um projeto complexo, necessita de muita coisa, envolvendo engenharia, cálculos. É como se fosse uma gaiola ao redor da estrutura. É uma das metas desta gestão — projeta.
O presídio
O Presídio Regional de Passo Fundo conta com uma estrutura de três galerias, 47 celas, três alojamentos. Atualmente, a estrutura comporta mais que o dobro da capacidade de engenharia.
Conforme dados da Susepe, de setembro deste ano, são 687 apenados, sendo que a capacidade prevê 307 presos.