A chuva que atingiu o Rio Grande do Sul no início de maio não causou tantos prejuízos na Região Norte quanto em outros locais do estado, mas os impactos da enxurrada em pontes e rodovias têm dificultado o acesso de pacientes a insumos distribuídos pela Secretaria de Saúde do RS. Em Passo Fundo, fórmulas infantis não são distribuídas pela Farmácia Central desde o começo de maio.
Quem procura o centro de distribuição para retirar o leite, destinado a crianças com necessidades especiais, recebe uma resposta: medicamentos e fórmulas não estão disponíveis e não existe previsão de abastecimento. Fora isso, as famílias sequer são orientadas sobre como proceder ou quais as alternativas para garantir a única alimentação dos filhos.
Este é o caso de Nicoly Aparecida Vedana, 11 anos, que possui paralisia cerebral e sequelas do coronavírus. Como fonte exclusiva de alimentação, a menina precisa de 20 latas do leite Pregomin Pepti por mês. Cada uma custa em média R$ 259.
Segundo a mãe, Lucimar Nicolai, o direto é garantido judicialmente e não vem sendo respeitado. Nicoly faz uso da fórmula há oito anos e só conseguiu manter a alimentação na última semana graças a uma doação.
— Depois da covid, ela só pode se alimentar por sonda e eu ganhei R$ 200 para comprar o leite. Eu até nem sabia o valor porque ganhamos de graça, mas cheguei na farmácia e estava R$ 259. Só consegui comprar por R$ 199 porque ele vai vencer no mês de julho — conta Lucimar.
Também é a solidariedade de amigos, vizinhos e até de desconhecidos, vindos das redes sociais, que tem garantido a alimentação do filho de Paula da Silva. O menino tem alergia à proteína do leite de vaca (APLV) e por isso precisa da fórmula Neocate.
Na APLV, o sistema imunológico do bebê reage a proteínas encontradas no leite de vaca, fazendo com que ele apresente sintomas alérgicos na pele e nos sistemas digestivo e respiratório. Paula teme o futuro incerto, já que uma alimentação inadequada afeta diretamente a saúde do pequeno.
— Algumas latas que eu consegui foi através da internet. Outros me enviaram um pouco de dinheiro, a gente junto e pegou mais uma lata, só que o meu filho recebe 10 latas por mês. E se isso demorar um mês, dois meses, o que eu vou fazer?— questiona a mãe.
Além de Lucimar e Paula, outros pais e mães apelam por fórmulas em grupos de troca e venda do Facebook. Em uma rápida pesquisa por seis grupos públicos, a reportagem identificou pelo menos 25 pedidos de familiares de crianças que precisam das fórmulas no Rio Grande do Sul desde o início das chuvas, em cidades como Porto Alegre, Viamão, Canoas, Bento Gonçalves e Caxias do Sul, além de Passo Fundo.
Sem defesa
Ambas as famílias tentaram recorrer à Defensoria Pública para ter acesso aos valores equivalentes dos leites e efetivar a compra em farmácias da rede privada. Porém um novo entrave causado pelas chuvas apareceu: os defensores não conseguem ter acesso aos dados dos processos, que dependem do Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Rio Grande do Sul (Procergs).
No dia 6 de maio, o Procergs desligou, por medida preventiva, o seu centro de dados. A ação foi adotada para preservar a estrutura da central, sem prejuízo aos equipamentos, após a água do Guaíba atingir quadro elétrico, no-breaks e geradores da sede em Porto Alegre. A previsão é que o sistema só retorne no fim do mês.
— Fui atrás de um advogado da Defensoria, mas não tem sistema. Não tem como pedir, não tem como fazer sequestro, não tem nem como ver o número do processo para tentar com um advogado particular. Estamos de mãos atadas — desabafa Lucimar Nicolai.
O que diz o Estado
A reportagem de GZH Passo Fundo buscou a 6ª Coordenadoria Regional de Saúde, responsável pela distribuição dos insumos em Passo Fundo e em outras 61 cidades do norte do RS. Sobre as fórmulas infantis, a Coordenadoria confirmou que não houve recebimento de remessas vindas de Porto Alegre devido aos estragos nas rodovias do RS, mas que outros detalhes só seriam possíveis diretamente com a Secretaria Estadual de Saúde.
GZH entrou em contato com a pasta para pedir esclarecimentos, mas até o fechamento desta matéria a única resposta foi a de que "não há falta do insumo no Estado".
Após nova solicitação à Assessoria de Comunicação da Secretaria Estadual de Saúde, a reportagem recebeu às 15h41min desta sexta-feira (17) a informação de que fórmulas serão enviadas por transporte aéreo para os municípios da 6ª Coordenadoria. Confira a nota na íntegra abaixo:
"O Departamento de Assistência Farmacêutica (DEAF), da Secretaria Estadual da Saúde informa que o acesso terrestre nos últimos dias, devido as enchentes, atrasou o roteiro. Hoje as fórmulas estão indo por transporte aéreo. A 6ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) receberá em breve as fórmulas infantis e será feita a distribuição para as farmácias de medicamentos especiais do municípios da área de abrangência da regional".