Em 2022, o número de diagnósticos de pacientes com aids passou a ser maior do que os diagnósticos de HIV em Passo Fundo. A inversão da curva acontece pela primeira vez em seis anos e reflete a baixa procura pela testagem e consequente rastreio tardio, o que leva à evolução do vírus da imunodeficiência humana para a aids.
Conforme dados do Serviço de Atendimento Especializado (SAE), a incidência no município foi de aproximadamente 42 casos de aids no ano passado, enquanto a detecção de pacientes com HIV ficou em 28.
— Além de portadores do vírus, a demora no rastreamento e no início do protocolo de tratamento levou ao desenvolvimento da doença. A nossa perspectiva é de que os pacientes infectados sejam rastreados precocemente para que o diagnóstico seja do vírus HIV e não da doença propriamente dita, que é a aids — pontua a enfermeira e coordenadora do SAE, Seila de Abreu.
A data de 1° de dezembro, nesta sexta-feira, é marcada pelo Dia Mundial de Combate ao HIV/Aids. A partir das 10h, o SAE estará na Praça Tochetto realizando testes rápidos de HIV, Hepatites B e C e Sífilis, distribuição de autotestes e da Profilaxia Pré-Exposição (PrEp). A ação segue até as 16h. Veja a programação para o Dezembro Vermelho em Passo Fundo.
HIV x aids
O HIV é o vírus causador da imunodeficiência humana. Já a aids é a doença causada pela ação do vírus. O paciente soropositivo não necessariamente manifesta a doença, especialmente quando o diagnóstico é rápido, logo depois da infecção.
Com o tratamento correto, a pessoa portadora do HIV pode ter uma vida normal e saudável. No entanto, a evolução do quadro para a aids passa a comprometer gravemente o sistema imunológico, resultando em infecções oportunistas como a meningite, tuberculose e pneumonia.
Em Passo Fundo, 1,5 mil pessoas com o vírus retiram a medicação no SAE. São 950 residentes na cidade e 550 da região. O tratamento inicial para controle do vírus é feito com dois comprimidos, disponíveis gratuitamente na rede de saúde.
Perfil do soropositivo
Segundo levantamento da médica infectologista do SAE, Clarissa Oleksinski, homens jovens, com idades entre 18 e 40 anos e que praticam sexo com outros homens, compõem a maior parte dos diagnósticos de HIV em Passo Fundo. O sexo anal é o que oferece maior risco de contaminação. As mulheres têm menos diagnósticos em razão do comportamento sexual e do cuidado mais frequente em exames preventivos periódicos.
Um fator que facilita o rastreio da doença no sexo feminino é a gestação, uma vez que há obrigatoriedade para que grávidas testem para o vírus. O Ministério da Saúde orienta fazer a testagem pelo menos duas vezes no pré-natal: um na primeira consulta e outro no terceiro trimestre. Esse é o mínimo recomendado.
Entre 2015 e 2022, a média de casos totais rastreados anualmente foi de 83,2 em Passo Fundo, uma média de 41,6 casos a cada 100 mil habitantes por ano. Proporcionalmente, o número é semelhante à média registrada em Porto Alegre em 2021 (até onde os dados estão disponíveis), cidade que vive uma epidemia de aids. Na Capital, a média naquele ano foi de 47 casos a cada 100 mil habitantes.
Mortalidade
Em 2022, Passo Fundo também registrou uma alta taxa de mortalidade por aids. Foi uma média de 9,5 óbitos a cada 100 mil habitantes, totalizando 19 mortes pela doença. Conforme Seila, a taxa está bem acima da média nacional de mortos pela patologia, de 4,2 a cada 100 mil habitantes.
— A mortalidade está alta e isso é reflexo daqueles pacientes que estão chegando muito tarde para o diagnóstico. Muitos descobrem a doença já a nível de hospital e acabam entrando em óbito na própria internação decorrente do diagnóstico. Isso é muito grave, nossa ideia é aumentar a testagem, a população precisa tornar esses exames uma rotina — salienta a enfermeira.
A infectologista Clarissa pontua que o cenário da doença na cidade piorou durante a pandemia. A testagem reduziu e a população parou de dar atenção às doenças crônicas, o que fez com que o vírus evoluísse.
Profilaxias PrEP e PEP
Hoje, há duas as formas de prevenir o HIV com medicamentos. Os protocolos são a aposta na área da saúde para evitar novas contaminações. São eles:
- PrEP ou Profilaxia Pré-Exposição ao HIV: o paciente faz uso de medicação antiviral, um comprimido por dia ou sob demanda, para evitar o contágio quando for ter relações sem o uso de preservativo. O medicamento pode ser retirado gratuitamente no SAE e o tratamento é feito com acompanhamento médico.
- PEP ou Profilaxia Pós-Exposição ao HIV: são dois comprimidos que podem ser administrados até 72 horas depois que o paciente teve exposição sexual desprotegida ou outra exposição biológica. É usado por 28 dias, com acompanhamento. O medicamento está disponível gratuitamente no SAE e no Hospital Municipal.
Atualmente, 150 pessoas fazem uso da PrEP em Passo Fundo. Já a PEP é procurada por uma média de 15 pessoas por mês na unidade. Além das profilaxias, a orientação é que permaneça o uso de camisinha feminina e masculina em todas as relações sexuais.
Uso eficaz e seguro
Conforme a médica infectologista, a ideia é descentralizar a oferta dos remédios, possibilitando a retirada também nas unidades de saúde.
— A eficácia de ambas é próxima de 100%. Nenhum paciente que acompanhamos contraiu o vírus usando a medicação. São fáceis de tomar, quase nada de efeito colateral. A população continua se expondo e essa é uma alternativa muito segura, sem contar que é gratuita. Nós acreditamos que isso pode mudar a história da doença — ressalta.
Tiago*, 41 anos, faz o uso da PrEP há um mês. Ele buscou o tratamento depois de ver que outras pessoas, em aplicativos de namoro, faziam o uso.
— Os dados da Secretaria de Saúde em Passo Fundo mostram que estão altíssimos os casos de HIV, então comecei a tomar para me precaver, por segurança. Também já precisei tomar a PEP em dois casos de emergência e foi super eficaz — relata ele.
Nascido na década de 1980, quando o mundo viveu uma epidemia de aids, Tiago viu amigos perderem a vida para a doença. Por isso, é consciente da importância da testagem, rotina que segue a cada seis meses.
— Eu falaria pras pessoas não terem medo da testagem, porque é muito melhor que se identifique a doença cedo para que não evolua. Hoje em dia, é muito mais fácil encontrar um parceiro e falar sobre o assunto, além de ter vários canais para buscar informações, então é importante que as pessoas procurem se inteirar — acrescenta ele.
Testagem rápida
O teste para detecção do HIV e outras ISTs, feito a partir de amostra de sangue, está disponível gratuitamente e sem necessidade de agendamento nos seguintes locais de Passo Fundo:
- Serviço de Atendimento Especializado (SAE) (Silva Jardim, 714)
- Cais de todos os bairros
- Unidades Básicas de Saúde
É recomendado que a testagem seja feita a cada seis meses, principalmente pelo público de maior exposição ou que tenham relações sexuais frequentes.
O SAE também oferece o autoteste, para o paciente retirar na unidade e fazer em casa, com swab oral (coleta de saliva). No entanto, a infectologista ressalta que essa modalidade não substitui o teste rápido, apesar de ser usado para triagem.
*Utilizamos um nome fictício para preservar a identidade do paciente.