Toda criança diagnosticada com deficiência e que tenha dificuldade de locomoção, higiene, alimentação e segurança em ambiente escolar tem direito a ter um monitor individual, segundo a Lei Federal 3205/2021. O acompanhamento do monitor visa a inclusão pedagógica e a qualificação no aprendizado. Em Passo Fundo, o tema é tratado com complexidade em razão da demanda de crianças com laudos e do déficit de profissionais de apoio escolar.
A situação é vista como um problema crônico pelo Centro Municipal de Professores (CMP), que representa os docentes, e possui preocupação por parte dos pais de crianças com dificuldades. Por outro lado, existe entraves na contratação de monitores pelo esvaziamento dos interessados em cursos de licenciatura, problemas burocráticos de licitação e pelo baixo salário oferecido para as oportunidades de trabalho.
A pauta gerou uma ação civil pública em novembro de 2022 pelo Ministério Público Estadual, que cobra uma resposta da Prefeitura de Passo Fundo quanto ao número considerado insuficiente de monitores nas instituições de ensino mediante a demanda apresentada. Segundo o CMP, as oitivas com as testemunhas iniciam nos próximos dias.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (SME), as escolas municipais possuem 194 monitores no ensino infantil e ensino fundamental. Esse montante auxilia cerca de 260 crianças em situações de higiene e locomoção, além de atuar com cadeirantes e autistas.
Segundo a SME, os monitores são estudantes de cursos superiores de Psicologia, Magistério, Serviço Social, Fisioterapia, Fonoaudiologia e licenciaturas.
A dona de casa Vanessa Viviane de Oliveira demonstra preocupação sobre o ensino da sua filha, Lara de Oliveira Gadenz, de quatro anos, que possui transtorno do espectro autista (TEA).
A criança está no pré I da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Rita Sirotski, no bairro Santa Maria. Segundo a mãe, ela não possui acompanhamento de monitor.
— Existe uma dificuldade grande de monitor na escola. A Lara é muito agitada e não consegue parar quieta. Então, como não tem monitor disponível, a professora tem que estar largando os alunos e correndo atrás dela, para dar uma atenção maior, o que atrapalha os colegas — afirma.
Vanessa relata que a escola também possui outras crianças autistas. A preocupação das outras mães é constante, sobretudo pensando no futuro delas no âmbito da aprendizagem.
— Desde janeiro, quando ela iniciou, que não tem monitor. E isso é um problema comigo e com outras mães também. Nos preocupa essa situação. Sem monitor, como ela vai aprender? Como vai passar para o pré II se não tem ninguém que auxilie ela, que explique diretamente a ela? Ela precisa de monitor até mesmo para ir ao banheiro, por exemplo, porque sozinha ela não consegue, existe essa dificuldade — pontua.
O presidente da Associação Amigos Criança Autista (Auma) de Passo Fundo, Emerson Drebes, relata que diversas famílias fazem contato com a entidade e apontam essa dificuldade enfrentada pelas crianças em sala de aula e a necessidade deste acompanhamento. Segundo ele, o contato com as secretarias de Educação do Estado e do Município é constante.
— São vários casos de famílias que nos procuram e falam da falta de monitores, que quando acontece isso, seus filhos não conseguem ir para a escola. São casos recorrentes, em que buscamos fazer esse meio com as secretarias para informar as famílias — afirma.
"É um problema crônico"
O sindicato dos professores acompanha anualmente a demanda de monitores nas escolas. Segundo o diretor, Tiago Machado, diferente do que afirma o município, são cerca de mil estudantes com algum tipo de deficiência comprovada em Passo Fundo, além de centenas de processos de pedido de laudo, numa rede de 20 mil estudantes.
O diretor relata que todo ano é uma "luta" para conseguir monitores, em razão de que não existe o cargo na estrutura administrativa do município. Segundo Machado, a Prefeitura contrata monitores como estagiários, visto que, em sua maioria, são estudantes.
— É um problema crônico de Passo Fundo. Todo ano é uma luta muito grande para conseguir profissionalizar as contratações, porque se tem uma rotatividade muito grande nesse serviço. Existe o problema de salários pequenos também, que é muito pequeno para o desgaste que se tem — argumenta.
De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a média salarial de um monitor infantil, no Brasil, é de R$ 1,6 mil para uma jornada de 41 horas semanais.
Machado relata que, em 2022, o município de Passo Fundo conseguiu suprir a demanda em maio, com cerca de 350 monitores. No entanto, ao fim do ano, os contratos se encerraram. A partir de janeiro de 2023, foi necessário contratar novos monitores.
— Isso gera uma precarização no trabalho oferecido e no serviço prestado. Esses alunos incluídos precisam muito deste serviço. Ano passado, o Ministério Público ingressou com a ação porque a situação estava ruim. Nós reiteramos que esse ano está ainda pior. A inclusão é um direito aos alunos, mas o que acontece é que está condicionado a um serviço minimamente decente e não é o que se observa — complementa o diretor.
O problema, segundo Machado, se torna ainda pior quando interfere na rotina dos alunos inclusos e também dos alunos que não necessitam de monitores.
— Isso também gera um choque, porque tem o direito do aluno incluído, mas também existe o direito do aluno não incluído a ter uma aula que seja interessante e que tenha aprendizado. Sem monitores, o ambiente fica completamente hostil a isso, o que atrapalha a aula para todos e gera sobrecarga ao professor em sala de aula — finaliza.
Município quer contratar mais 100 monitores
O secretário de Educação de Passo Fundo, Adriano Canabarro Teixeira, argumenta que a legislação de monitoria determina que é necessário um monitor para cada três crianças que se enquadrem dentro das exigências. Segundo ele, o município busca atender cada criança de forma personalizada, mesmo que ainda não seja possível.
— O município tem trabalhado na tentativa de ter um monitor para cada aluno. Não é possível fazer isso neste momento, mas temos tentado, buscando atender de forma personalizada cada criança que precisa de apoio. Nós levamos em consideração a legislação que fala de três crianças para um monitor — declara.
Diante da demanda, a SME garante que possui recursos para contratação de mais monitores, além de ter mapeado os alunos para as vagas. O problema, segundo Teixeira, é o interesse dos possíveis monitores em outras vagas, como na rede privada e em clínicas, no caso dos estudantes da área da saúde.
— Nós diagnosticamos que não temos alunos suficientes para colocar nas escolas. Temos muitos casos de alunos que optam por outras áreas também. Com essa dificuldade, traçamos outro plano, que foi de terceirizar essa função, assim como fizemos com auxiliar de educação infantil — explica.
O processo licitatório previa a contratação de 100 profissionais, com carga horária de 40 horas, para atuarem como monitores nas escolas municipais, com possibilidade de atuação em duas escolas, uma no turno da manhã e outra no turno da tarde. A ideia era que esses profissionais já tivessem iniciado em janeiro de 2023.
— Fizemos o processo, em dezembro saiu o resultado. A empresa que venceu foi impossibilitada, porque já prestava outro serviço para o município. Chamamos a segunda empresa, mas ainda não conseguimos por questões burocráticas de processo licitatório. Esse imbróglio deve ser resolvido nos próximos dias, para resolver definitivamente essa demanda justa dos monitores — declara.
A ideia é que os 100 profissionais se juntem aos 194 monitores já existentes nas escolas municipais, chegando a 294 monitores. Nesta conta, o secretário acredita que a demanda será suprida até com "folga".
— Com mais 100 pessoas contratadas, que vão passar por uma formação específica para atuação, resolvemos a questão da monitoria, dentro do que a lei prevê, de até três crianças por monitor — diz.
Dificuldade de contratação
A demanda dos monitores para alunos especiais também tem reflexo nas dificuldades de contratação. Assim como apontado pelo CMP e pela SME, no que tange a questões salariais e de interesse, quem está na ponta também sente a dificuldade na área.
Coordenadora pedagógica da Escola de Autistas Professora Olga Caetano Dias, Lilian da Silveira relata que a demanda é grande por monitores em Passo Fundo. De acordo com ela, o maior problema está na falta de profissionais habilitados para realizar a monitoria.
— Sentimos que tem um déficit de monitores. Não é uma questão de que a rede (municipal ou estadual) não busca, mas é que faltam profissionais na área. O pessoal não está querendo — declara.
Segundo Lilian, vários fatores podem apontar para o desinteresse, como mudança de realidade e a necessidade de habilidades para atuar com um público que exige cuidado redobrado.
— Como são estudantes, eles se deparam com uma realidade que não estão acostumados. Para ser monitor, é necessário ter habilidades para atuar com pessoas com deficiência. Isso vai de pessoa para pessoa. Nós costumamos falar que, na inclusão, também tem que gostar, não se pode cair de paraquedas — enfatiza.
Na Escola de Autistas Olga Caetano Dias, são dois monitores que trabalham diariamente para um público de aproximadamente 120 estudantes.
Por ser um público com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que não podem ficar sozinhos, o monitor auxilia o professor na maioria das vezes, sobretudo nas idas ao banheiro, além do horário do recreio. Eles também ajudam nos momentos em que algum aluno apresenta agressividade em sala de aula.
Escolas estaduais
GZH Passo Fundo tentou contato com a 7ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) para saber o número de monitores e de alunos com deficiência nas escolas estaduais de Passo Fundo, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
GZH Passo Fundo
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