Fernanda Oliveira da Silva, 34 anos, guarda consigo uma fotografia de infância que simboliza as muitas das dificuldades enfrentadas em seus primeiros anos de vida. Na imagem, ela posa de blusinha rosa e cabelos cortados mais curtos do que o necessário, para a família poder economizar com as idas ao cabeleireiro.
– Era a melhor blusa que eu tinha – relembra a empresária.
Nascida no município gaúcho de Ibirapuitã e filha de um casal de pequenos produtores rurais, Fernanda cresceu em uma casa humilde onde um guarda-roupa fazia as vezes de divisória entre as peças. Naquele tempo, a falta de oportunidades e vivências fazia parte do dia a dia.
– Sofri muito preconceito na escola por vir de um lugar simples. E esse preconceito não era só dos alunos, era também dos professores. Muitas vezes, na hora do recreio, eu ficava sem amigos. Todo mundo ia brincar, ia para educação física, e eu não era chamada – comenta Fernanda, com lágrimas nos olhos.
O passado difícil, porém, forjou uma das mais influentes empresárias do norte do Estado. Com muito trabalho e dedicação, e carregando consigo os valores familiares, Fernanda fundou a JF Cursos, escola de ensino de informática e profissionalizante. Em 13 anos de história, a escola conquistou três filiais e formou mais de 25 mil pessoas.
Aliando a experiência da trajetória, Fernanda ingressou no universo da mentoria empresarial, oferecendo cursos e treinamentos Brasil afora. Atualmente ela é uma popular palestrante de temas relacionados à empreendedorismo, liderança, inteligência emocional e trabalho em equipe, neurociência e neurolinguística.
Por isso, o Projeto Tinha Que Ser Mulher, uma iniciativa de GZH Passo Fundo que vai apresentar histórias inspiradoras durante o mês dedicado às mulheres, convidou a empresária para contar sobre sua trajetória inspiradora e cheia de desafios. O resultado você confere na entrevista a seguir:
Quem é a Fernanda e de onde ela veio?
A Fernanda é muito baseada em sonhos, em determinação. Não tem como falar de Fernanda sem falar de família, de fé e de amor. Venho de uma família humilde, pobre. Sofri muito preconceito. O que mais me chamavam não era pelo meu nome, mas por “gorda” e “baleia”, sabe? Eu nunca toco nesse assunto, pois gera muita emoção.
Como você reagiu a essa situação da infância?
Eu nunca me comportei mal com essas pessoas, mas eu tinha uma promessa para mim mesma. Orava e sempre pedia para Deus para que eu desse muito orgulho para os meus pais e para que eu fosse o sucesso em pessoa. Eu assistia na TV aquelas mulheres poderosas viajando, tendo empresas e, na minha inocência, queria entrar lá. Olhava atrás da TV. Então coloquei como meta que um dia eu iria estar lá e que as pessoas iriam me reconhecer. Não somente pelo que eu tenho, mas principalmente pelo que eu sou, pelo que eu me tornei e meus valores.
Qual foi o processo para se tornar essa mulher?
Minha jornada começou aos 13 anos, quando tive meu primeiro emprego. Fui cuidar de uma senhora que tinha isquemia cerebral. Fiquei dois anos nesse trabalho. Depois, comecei a fazer um curso de informática que meu avô pagou porque meus pais não tinham condições. Eu disse: agora vai ser minha oportunidade de virar a chave, porque vou fazer esse curso e vou trabalhar com isso. Em dois meses, houve uma prova seletiva para professor desse curso. Eu mal sabia mexer no mouse, mas nunca tive medo de falar. Então pedi para fazer a seleção, mesmo sem ter computador em casa. Estudei, estudei e passei. Com 15 anos, eu já estava com a chave de uma escola de cursos, cuidando duas vezes por semana, que foi onde começou meu sonho de ensinar informática.
Quando se tornou uma empresária do ramo?
Quando eu me formei em Informática, na Universidade de Passo Fundo (UPF), em 2010, eu quis abrir minha escola em Ibirapuitã. Eu dava aulas de informática e ainda trabalhava em um estúdio fotográfico. Nessa época, o meu chefe do estúdio topou fazer uma campanha de fotos em Ernestina. Foi uma campanha muito boa de vendas e eu falei: temos que abrir um estúdio aqui. Mas, na verdade, eu queria abrir a minha escola lá, porque vi que a cidade não tinha escola de informática. Ele topou abrir e me deixar cuidando. Após seis meses, havia alugado uma sala comercial ao lado do estúdio para abrir a escola. Eu precisava morar lá, então dividi a sala com uma cortininha, botei um computador em um canto, pendurei um banner na porta e em seguida já passou uma pessoa perguntando o preço das aulas. Eu nem tinha pensado nisso ainda. Pedi para passar no dia seguinte, quando começariam as inscrições. Nascia ali a JF Cursos. Eu trabalhava o dia inteiro. Ao longo do dia no estúdio, das 18h às 22h dava aulas, e das 22h às 3h, criava material para os cursos. Foi cansativo, porém nunca tive medo de trabalhar. Em 2012, abri uma filial em Ibirapuitã. Hoje, temos uma unidade também em Soledade.
Que dificuldades você enfrentou?
Passei por crise financeira e por crise emocional. Tinha noites em que eu chegava e chorava, não por preocupação, mas por cansaço. Às vezes, eu pensava “eu não vou mais dar conta de tudo isso que eu tenho para resolver”. Equipes grandes, outras cidades, palestras, pessoas, família, cobrança de todos os lados. Mas tive muita fé e pedi que Deus me dignificasse sempre para honrar meus compromissos.
Empreender sendo mulher ainda é complicado?
Eu senti o olhar do preconceito ao entrar em salas de reuniões com 20, 30 homens. Eles ficavam olhando de lado para uma mulher forte e séria nos negócios. Mas não estou nem aí. Penso: “Vou te vencer através do meu conhecimento, na minha dedicação, no meu jeito de comunicar”. A dificuldade maior, eu acredito, éas mulheres se reconhecerem fortes, enxergarem onde podem chegar, irem em frente sem medo e entenderem que são processos, mudanças pequenas para grandes sentimentos.
Há algum sonho que você ainda não realizou?
Hoje, depois de muito esforço, trabalho e abdicações, tenho liberdade econômica. Ano passado, em busca de mais conhecimento para mim, minhas empresas e mentorados, visitei cinco países, dentre eles a Suíça que é uma das nações mais desenvolvidas do mundo. Mas, um sonho que ainda não realizei vai parecer muito simples: levar meu pai, minha mãe e minha irmã para a praia, juntos. Meu pai tem uma resistência muito grande para viajar.
O que diria para a Fernanda de 10 anos atrás? Ou para aquela Fernanda da fotografia que ficava triste no colégio?
Eu olharia para ela e falaria: Fernanda, tenho muito orgulho, muita honra de ser você. Não desista, já doeu, vai doer, porém faça seu máximo, esteja presente, ajude e desenvolva pessoas e comportamentos. Muitas vezes, cansa a cobrança e a expectativa. Mas vale a pena honrar o nosso nome, os nossos sonhos, a nossa história e os nossos negócios.
Se fosse dar um conselho às mulheres, qual seria?
As mulheres acabam às vezes não deixando os seus sonhos transbordarem. Nós temos muitos sentimentos, muitas das vezes temos o nosso lado sentimental aflorado. E o que acontece? Às vezes, as mulheres acabam confundindo isso como uma fraqueza. Não, toda mulher tem esse lado e se o escondermos vai faltar alguma coisa. Mas nós, mulheres, também somos muito fortes, e quando entendemos que nascemos para viver e transbordar nossos sonhos, o mundo nos vê de forma diferente. Conseguimos deixar que as pessoas nos amem mais e conseguimos amar mais as outras pessoas. Se você quer, você pode mudar. Você pode passar pela pobreza, você pode passar pela crise financeira, você pode passar pela doença. Mas é um passo de cada vez. Como? Através do conhecimento.